Fora de ordem

Fora de ordem

Antigamente, quem queria ir a São Paulo a trabalho ou a passeio poderia se deslocar de carro, ônibus ou avião. Essas três maneiras continuam existindo, mas há também um jeito novo. Quem quiser pegar uma carona, sem precisar ficar quarando em algum trevo, pode acertar o traslado, combinando dia, horário, preço e local em um grupo do Facebook. A viagem acaba saindo com um custo bem mais barato que os meios de transporte convencionais. A nova modalidade de carona já vale para Minas Gerais, Rio Preto, Araraquara, São Paulo e muitas outras cidades.

Uma guerra civil está prestes a eclodir em São Paulo, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Não se trata do confronto entre traficantes e polícia, de uma revolta das minorias discriminadas ou de uma gigantesca mobilização contra a grave crise econômica. O conflito, que aparece constantemente na imprensa, ocorre por causa do Uber, um aplicativo de celular que conecta um usuário a um motorista particular, que atende o chamado num carro preto, geralmente de luxo, com vários itens de conforto para os passageiros. Refinados, esses motoristas usam roupas sociais e abrem a porta para o usuário entrar. Tal qual o táxi, esse serviço cobra bandeira, quilometragem e taxa por minuto parado. Obviamente, os motoristas de táxi não gostaram da concorrência, pois precisam pagar taxas e alvarás para trabalhar, enquanto os profissionais do Uber atuam na informalidade do mundo digital. Os conflitos viraram boletins de ocorrência.

Quem nunca sonhou em ser um jornalista famoso por pelo menos um dia. Se não fosse pela “repórter” Beatriz Vergutz, a primeira medalha de bronze da história do caiaque brasileiro teria passado quase batida nos Jogos Pan-americanos. Não havia profissionais da imprensa no local da prova, em Toronto, no Canadá. Com um celular transmitindo ao vivo, via Skype, Beatriz noticiou em primeira mão a conquista da irmã, Ana Paula, para os parentes e amigos em Cascavel. A cobertura completa, com as imagens e as entrevistas no pódio, pautou os principais veículos de comunicação do país.

Os três exemplos acima mostram que, hoje, as atividades estão permeadas pela mídia e pela tecnologia, de forma sutil ou escancarada. A conexão mudou a forma de funcionamento do mundo dos negócios e o comportamento das pessoas. Agora, mais importante do que clicar é compartilhar a notícia. Tudo ainda está muito efêmero, instantâneo, volátil e recente. Por isso, é tão difícil prever o que acontecerá com o mundo dos negócios nos próximos anos. Táxis e empresas de ônibus desaparecerão? Qual será a nova arquitetura do jornalismo?

Talvez inspirado pelo Senhor do Bonfim ou pelo sol do Farol da Barra, o visionário Caetano Veloso pensou um pouco além das injustiças descritas na letra, quando compôs, em 1991, Fora de Ordem: “Alguma coisa, Está fora da ordem, Fora da nova ordem mundial”. Quem nasceu antes da composição de Caetano Veloso ainda consegue lembrar como era o mundo sem a internet. Quem nasceu depois, não consegue nem imaginar. Cresceu dentro dessa nova ordem mundial com dependência total da tecnologia. A compulsão das pessoas pelo uso do celular atingiu um nível tão elevado que elas até colocam a própria segurança em risco. Em capitais brasileiras, o uso de celular ao volante já lidera o ranking das multas. A grande maioria dos motoristas não sabe que mesmo com o trânsito parado por congestionamentos o uso do celular ao volante é perigoso e proibido.

O economista americano, Jeremy Rifkin, prevê o fortalecimento de uma nova economia, com custo marginal zero e bens comuns colaborativos, tal qual a nova versão da carona para São Paulo. O custo marginal zero representa uma situação ideal de produtividade. Pode-se fabricar mais objetos sem pagar mais por isso, reduzindo drasticamente o valor final do produto, que numa hipótese mais otimista pode até ser compartilhado gratuitamente.

Nesse eclipse do capitalismo, emergirá uma economia do compartilhamento que apontará para o uso mais racional dos serviços e dos bens de consumo. Guru da primeira ministra Angela Merkel, Rifkin deu uma entrevista à Revista Galileu onde afirma que a largada dessa nova corrida já foi dada. O analista projeta um sistema híbrido, composto pela antiga economia de troca com mais-valia e as novas relações estabelecidas através do compartilhamento. Para quem anda angustiado com a crise, os novos concorrentes e as mudanças do mundo dos negócios, Rifkin faz um prognóstico meio sombrio ao lembrar que o período atual, longo e perigoso, apresenta-se como “um pôr do sol da segunda Revolução Industrial”. Trata-se de uma transição épica que vai conectar a raça humana inteira em tempo real, com produtividade extrema e custo muito baixo em todos os setores da economia. Os novos usuários não estão só compartilhando entretenimento e momentos de lazer, mas estão dividindo carros, roupas e apartamentos. Isso está criando novos nichos de mercado a serem explorados. Daqui para frente, em vez da posse, o acesso a esse mundo novo pode bem valer mais.

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