Golpes na impunidade

Golpes na impunidade

Os descrentes na política terão que rever os conceitos. O Brasil ainda tem muita sujeira para limpar, mas a faxina democrática continua de forma inclemente, mandando para casa ou até mesmo para cadeia quem não respeita a lei. Embora o banimento de algumas figuras da política seja importante, o processo tem algo pedagógico bem mais valioso que a simples expulsão de alguns nomes. Se as regras do sistema não forem rígidas o suficiente para impor limites, a corrupção na política se perpetua da mesma forma que o tráfico de drogas se tornou perene. Quando a polícia tira um traficante de circulação, logo aparece outro para ocupar o posto. Na jovem democracia brasileira, pós-ditadura de 1964, acontece algo semelhante. Instalou–se no país um regime que nada tem a ver com o parlamentarismo ou com o presidencialismo. Vigora o sistema da corrupção, da esperteza e da desonestidade, que monta modernos currais eleitorais para perpetuar a hegemonia das dinastias e dos coronéis da política nos parlamentos e nos órgãos executivos. Se antes, esses senhores feudais mantinham a hegemonia política sob a ameaça das armas e da violência, hoje, os métodos são bem mais sofisticados e incluem a concessão de emprego e a distribuição de benefícios que amarram de forma promíscua o eleitor ao político. 

Embora tenha dado muito trabalho e demandado um tempo muito caro, que impôs enormes sacrifícios econômicos aos cidadãos, o que o Brasil fez em 15 dias, de acordo com o que determinam as instituições, não se encontra facilmente na geopolítica mundial. Com toda a controvérsia que cerca questões de tão relevante interesse, no dia 31 de agosto, o Senado Federal, transformado em corte suprema, afastou a presidente. Exatos doze dias depois, a Câmara dos Deputados cassou o mandato do terceiro político mais importante do país. Mesmo tendo entre os senadores ex-ministros do seu governo, Dilma Rousseff perdeu por 61 a 20. Quem imaginaria que o poderoso Eduardo Cunha, que em fevereiro de 2015 foi eleito presidente da Câmara dos Deputados com mais de 200 votos, tomaria um baile de 450 a 10? 

A análise da contabilidade desses votos permite uma conclusão interessante. Contrariando a matemática, nesse caso, os números não valem pelos valores absolutos, mas pelo significado representativo. Nessas e em outras ocasiões, o apoio aos derrotados vai minguando conforme aumenta a pressão popular. Isso evidencia a ampliação do poder da opinião pública via mídias sociais, reportagens veiculadas na internet e o noticiário da imprensa. Cunha, por exemplo, chegou a controlar uma bancada interpartidária com mais de 200 deputados. No dia da cassação, apenas cinco “se arriscaram” a apertar a sua mão na frente dos holofotes. Embora tenha sido o processo mais longo da história do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, a cassação representa uma vigorosa vitória contra a impunidade. O Congresso Nacional e a política ainda estão cheios de “Cunhas”, daí a importância que se estabeleça um novo parâmetro de atuação para o Legislativo e o Executivo, baseado na ética e na moralidade.

A simples expulsão de alguns nomes não seria suficiente para regenerar o sistema. A operação Lava Jato, que vai fazer escola pelo país, as cassações, o impeachment de governantes e as intermináveis operações da Polícia Federal estão resgatando aquela antiga máxima de que o crime não compensa. As cifras reveladas em inúmeros escândalos – Petrolão e Mensalão — deixavam no ar a mensagem de que o crime compensava e muito. Hoje, os interessados em transgredir a lei, no mínimo, pensarão duas vezes antes de se tornarem alvos de alguma investigação.  Os resultados desse combate à impunidade já aparecem, visivelmente, nas campanhas eleitorais que este ano estão bem mais acanhadas que outrora. O risco de doar para algum candidato que pode cair em alguma rede afastou os doadores contumazes. Agora, os ilícitos continuam, mas com menor intensidade e sob a sombra da punição.

Guardadas as devidas proporções, de forma inédita, Ribeirão Preto experimenta processo semelhante ao que ocorre no país. Na próspera terra do café, havia uma sensação de que os ilícitos, os apadrinhamentos, as falcatruas e os golpes contra as contas públicas nunca seriam descobertos. Em apenas duas semanas, nove vereadores foram afastados, trinta e uma pessoas viraram réus em processos de corrupção ativa e passiva e 12 pessoas tiveram as prisões decretadas. Demorou bastante, mas Ribeirão Preto e o Brasil estão entrando nos eixos. 

Foto: Lula Marques

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