Guerra de vídeos

Guerra de vídeos

Em um dos mais momentos mais dramáticos da sua história, o Brasil enfrenta várias guerras. Tem uma jurídica sendo travada nos tribunais. Já está em curso a precoce guerra eleitoral em um momento que todas as atenções deveriam estar voltadas para o combate à pandemia. Também há uma guerra sanitária com divergências sobre o enfrentamento do coronavírus. O Brasil está no olho do furacão com uma segunda onda avassaladora. A própria população se dividiu em dois exércitos em relação ao comportamento diante da pandemia. De um lado, os que entendem que a pandemia do coronavírus é uma ameaça séria que exige mudanças de comportamento. De outro, os que menosprezam o perigo da doença e se mostram indiferentes ao aumento dos casos de contaminação, das internações e das mortes.

Além de todas essas divisões ainda tem a guerra dos vídeos. Como a maioria das pessoas passa a maior parte do tempo reclusa, sobra tempo para compartilhar mensagens. É impressionante como num momento de tanta perplexidade diante do inusitado, alguns ilustres desconhecidos se apresentem na condição de senhores da verdade em rasos vídeos de alguns minutos. Geralmente, esses iluminados escondem sua verdadeira identidade e com uma análise pessoal vinculada à ideologia professam uma opinião cabal e definitiva sobre a complexa realidade brasileira política, econômica e sanitária. Ao final, pedem que essa “verdade absoluta”, ou seja a sua visão pessoal de mundo seja compartilhada à exaustão para que assim o resto dos mortais possa abrir os olhos.

Quando se sai do campo das ciências exatas para mergulhar nas entranhas da vida em sociedade e dos relacionamentos sociais, entramos em um campo minado pela subjetividade onde as “verdades” ganham o componente da relatividade do tempo, da ideologia, dos costumes, dos valores e de outros fatores. Se no Brasil, a carne de gado serve para um bom churrasco, na Índia esse é um animal sagrado que deve ser intocado. Alimentos que no passado faziam um mal terrível à saúde hoje estão reabilitados. Na política então, a volatilidade é ainda maior. No Brasil e no mundo, políticos que se elegeram com votações consagradoras foram presos e cassados antes do fim do mandato.       

Em muitos casos, esse autoritarismo da guerra dos “vídeos verdadeiros” serve de motivo para fraturar amizades e laços familiares, como bem assinala o escritor Milan Kundera em um ensaio. “Em nosso tempo, submetemos a amizade àquilo que chamamos de convicções. E até mesmo com orgulho de retidão moral. É preciso realmente uma grande maturidade para compreender que a opinião que nós defendemos não passa de nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que apenas os muitos obtusos podem transformar numa certeza ou verdade. Ao contrário da fidelidade pueril a uma convicção, a fidelidade a um amigo é uma virtude, talvez única, a última. Hoje, eu sei: na hora do balanço final, a ferida mais dolorosa é a das amizades feridas; e nada é mais tolo do que sacrificar uma amizade pela política”. 

Compartilhar: