A iconofilia do selfie

A iconofilia do selfie

 

A festa está rolando na maior animação, de repente, alguém interrompe e pede uma pausa para fazer uma foto para colocar no “face”, no instagram e, mais recentemente, no WhatsApp. Agora, está na moda fazer a fotografia reveladora de si mesmo, um selfie. Em princípio, a novidade pode ser interpretada como mais um entre tantos modismos que começaram a surgir no final do século passado e que se tornaram cada vez mais frequentes no início deste.

As gerações com valores e perfis definidos cederam o lugar às tribos, cada vez mais efêmeras e circunscritas a interesses definidos.  A tribo, por sua vez, com rituais, tatuagens e estilo próprio de se vestir, cede espaço à nova onda: a iconofilia de si mesmo, a irradiação do amor próprio, o apego às imagens que se propagam rapidamente no mundo virtual. Instantaneamente, o selfie escancara o mágico dom de projetar o eu para o centro da vida, ou melhor, para o centro de alguma tela.

Sem cair no reducionismo maniqueísta do bem e do mal, a pergunta difícil que muita gente está se fazendo, neste momento, gira em torno das consequências destas novas formas de interação social, principalmente, para as crianças e para os adolescentes que mergulharam intensamente no mundo das novas tecnologias. Qual será o produto desta sociedade em que os jovens fazem uma utilização compulsiva das novas mídias sociais e entram em atrito com os limites que os pais tentam impor? Por quanto tempo permanecerá viva essa fascinação pelo poder das imagens? Alguns estudos médicos já alertam que, nos próximos anos, a juventude atual corre o risco de enfrentar problemas no pescoço de tanto ficar curvada diante do celular e outros mobiles. Também poderão ter sérios problemas de audição devido ao uso exagerado dos fones de ouvido.

Pensadores e cientistas sociais tentam desvendar o mundo que vai ganhar novos contornos a partir do clique nos ícones das mídias sociais. Qual será a vida vivida e qual será a vida visualizada? Haverá uma diferença significativa entre a vida real e a postada? Sobre o tema, o caderno do Estado de São Paulo, do domingo 18 de maio, que tem o sugestivo nome de “Aliás”, trouxe uma analítica entrevista com o sociólogo francês, Michel Maffesoli, que nas respostas deixou evidenciada a sua liberalidade com relação ao novo formato do que chamou de “mise en relation,” um novo tipo de horizontalização societal que emergirá do desenvolvimento tecnológico próprio às mídias sociais.

Pelo pressuposto do sociólogo francês, de fácil aceitação, a definição de cada um, inevitavelmente, passa pelos outros, portanto, não haveria nada de anormal nesse “relacionismo gregário” movido pela partilha virtual em que os novos íntimos das mídias sociais não são propriamente os amigos na acepção tradicional da palavra. Maffesoli contraria a corrente de críticos que denunciam o crescimento do comportamento antissocial baseado em relações superficiais de amizade. 

O otimista pensador francês vislumbra um caminho que se descortina a partir desses selfies bonitinhos e bem enquadrados que aparecem na rede. Essa sui generis bonomia própria tende a produzir uma figuração de felicidade, razão maior da permanência nesta Terra. Sobre o tema, aponta uma interessante diferença entre as tribos de agora e as gerações de outrora. Embora o conceito encerre um grau de conformismo, até certo ponto de viés alienante, os jovens de hoje estariam mais interessados em se acomodar bem dentro deste novo mundo do que enfrentar o desgaste de tentar transformá-lo. Sob esse prisma, um selfie sorridente postado na rede torna-se uma bela extensão da vida que um dia, quem sabe, talvez seja a real.

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