
As ideias da polis
Se você passou a semana correndo atrás de compromissos pessoais e profissionais e não teve tempo de acompanhar as notícias, talvez não tenha percebido que a campanha eleitoral para prefeito e vereador da sua cidade já começou. Mesmo com o prazo de 45 dias, até a eleição do dia 2 de outubro, correndo à solta, muitos candidatos ainda não tinham nem conseguido registrar a candidatura, muito menos produzir o material de campanha. Alguns candidatos a prefeito nem tinham feito aquela famosa foto do santinho, o que demonstra a precariedade inicial das campanhas. A cada eleição, com a intenção de conter o abuso de poder econômico, a legislação enrijeceu com uma série de proibições. Placas, painéis e outros adereços não são mais permitidos com o intuito de decretar a igualdade entre os concorrentes. As doações de empresas para candidatos foram proibidas. Em função da lava-jato, a iniciativa privada está receosa de se envolver em escândalos. O que ocorreu no Paraná pode ser repicado em outras cidades do país. Nesses novos tempos, cada doação eleitoral traz um risco embutido.
A prisão de marqueteiros famosos refreou a drenagem de quantias milionárias para campanhas eleitorais. Teoricamente, as movimentações dos partidos serão mantidas com o fundo partidário e as doações de pessoas físicas, mas ninguém desconhece que, na prática, sempre há maneiras de fraudar a legislação. Se a campanha do mundo real está cheia de obstáculos, o mundo virtual abre novas perspectivas para os candidatos abordarem os eleitores. A campanha de 2016 será uma espécie de unicórnio, uma experiência inusitada para a construção de uma nova experiência político-eleitoral.
Partindo do pressuposto que o poder econômico não costuma perder eleição, daqui para frente, os eleitores precisam ficar atentos para avaliar o comportamento dos candidatos e de seus financiadores. As mudanças que ocorreram na legislação não significa que os poderosos interesses econômicos que circundam o poder público municipal ficarão ausentes do pleito. Resta saber como esses agentes econômicos se comportarão na relação financeira com os candidatos, tendo em vista as punições exemplares desencadeadas pela operação lava-jato. Tempos atrás, quem imaginaria que Marcelo Odebrecht, o dono da maior construtora do país, ficaria tanto tempo preso.
Assim como a reforma da previdência e a reforma tributária se arrastam em um caldeirão interminável, o debate sobre o financiamento das campanhas não avançou. O que está sendo posto em prática não é uma reforma abrangente, mas um conjunto de medidas avulsas aprovadas pelo Congresso Nacional e as últimas restrições impostas pela Justiça Eleitoral com o nobre objetivo de estabelecer a igualdade entre os concorrentes. A cada ano que passa, a prestação de contas dos candidatos fica mais rígida e complexa, o que dificulta a campanha irregular. Um candidato até pode esconder a real movimentação financeira da campanha, mas dificilmente sua contabilidade resistiria a uma devassa para valer. Mesmo o caixa dois sempre deixa algum rastro.
Se a busca pela igualdade é uma bandeira consensual, o conjunto das restrições acabou por pasteurizar a campanha, ou seja, o processo eleitoral agora passa por um processo de esterilização, um resfriamento compulsório para eliminar organismos nocivos. No entanto, essa fervura geral acaba eliminando também os glóbulos vermelhos. Se de um lado, o showmício com cantores contratados a peso de ouro e a distribuição de brindes eram irregularidades flagrantes, na outra ponta, a redução do tempo de campanha a um período demasiadamente curto favorece os políticos que possuem cargos públicos. Na eleição para a Câmara de Vereadores, por exemplo, muito mais do que em anos anteriores, o tempo reduzido de exposição favorece os atuais legisladores que também controlam as instâncias partidárias e sempre dão um jeito de aparecer mais do que os companheiros de partido.
As solitárias campanhas virtuais deixam um vazio e não preenchem a necessidade de um debate pela escolha dos valores, pela moralidade e pelo respeito às leis. Na Grécia Antiga, esse debate foi travado pelo mestre Platão e o seu discípulo Aristóteles. Nesses diálogos que ficaram famosos, contrariando a visão idealista do mestre, a racionalidade do discípulo intuía que não se pode subtrair a importância da polis (cidade) e o que nela acontece, pois a expressão da realidade, em síntese, forma o conteúdo das ideias do homem.