Iguais com diferenças

Iguais com diferenças

Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi eleito da primeira vez, o país se encheu de esperança. Depois da rasteira que o eleitorado tinha levado de Fernando Collor e dos desatinos de Itamar Franco, os brasileiros enfim achavam que teriam pela frente um governo com uma coluna vertebral inquebrável no quesito corrupção.                                                                                      

Só para refrescar a memória: o escândalo do Sivam sobre o monitoramento da Amazônia por via satélite, a anunciada desvalorização do Real com vazamento de informações privilegiadas para o mercado e a distribuição de favores para aprovar a emenda da re-eleição. Quando Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, foi eleito, situação semelhante ocorreu. Agora vai, um operário havia chegado ao poder e novamente o país foi contagiado pela ideia de que os desmandos e os esquemas de corrupção seriam pontuais e não mais generalizados.

Bem, aí vieram as irregularidades do Fome Zero, a grave crise do mensalão, os dólares na cueca, o uso indevido dos cartões de crédito corporativos da presidência, o volumoso aporte de capital na empresa do filho do presidente e outras tantas que já foram deletadas da memória nacional.

Eis que 15 anos depois, cá estamos de novo diante de duas escolhas mais prováveis, levando-se em conta as pesquisas eleitorais. A disputa até agora se apresenta polarizada entre José Serra, o ex-ministro de Fernando Henrique, e Dilma Roussef, a principal assessora de Lula. A candidatura de Ciro Gomes foi soterrada por acordos desconhecidos.

Quando não há concorrentes em número razoável que traduzam a diversidade ideológica do país, a falta de alternativas resulta em cartel político que estabelece a reserva de mercado do eleitorado. Em 21 anos, desde a primeira eleição para presidente, construímos uma democracia precária, carente de projetos de longo prazo e alternativas consistentes. Alguém lembra de cabeça de meia dúzia de propostas do multifacetado PMDB que será o fiel da balança nesta eleição ?

Mesmo que as duas principais propostas rivalizem no discurso, no fundo, não há diferenças antagônicas a serem explicitadas nos restritos espaços previstos para o debate presidencial. A grande divergência entre o PT e o PSDB no ciclo de 16 anos que ora se encerra — oito de FHC e oito de Lula — é que os dois partidos reivindicam a paternidade da atual política econômica.

Assim, a poucos meses da disputa, só tem chances reais de vitória quem se apresenta com pequenas variações do modelo imposto nas últimas décadas. Reina o discurso homogeneizador e convergente que hoje tenta cooptar até mesmo a candidata do PV, por enquanto, uma voz que destoa nesse processo. Caro leitor, você não acha estranho em um país onde há mais de 30 partidos que apenas dois tenham chances de vitória?

Por essa antiteoria política, o sistema oficial escreveu o script da eleição anunciada, estabelecendo o roteiro de comportamento e postura das principais forças políticas. A eleição costuma trazer um risco embutido para o status quo. Sempre pode aparecer alguém com um discurso renovador, disposto a cancelar privilégios e cortar benesses. Pelo menos por enquanto, não há no horizonte nenhum fenômeno eleitoral que possa subverter essa estranha coalizão político-eleitoral. Paira no ar, a sensação de que, no próximo dia 3 de outubro de 2010, escolheremos aquilo que já está definido e que não haverá grandes diferenças, independentemente do resultado. A próxima eleição servirá para homologar o "modus vivendi" bem conhecido que vigora há mais de duas décadas.

 

Compartilhar: