
A igualdade republicana
A manhã do dia 3 de agosto foi incomum para a população de Ribeirão Preto. Quem tem o hábito de acordar vendo, lendo ou escutando notícias, ficou surpreso com a divulgação de que Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, irmão do ex-poderoso ministro da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, foi preso, sem alarde, em sua casa no bairro Ribeirânea. Além de eficiente, a Polícia Federal (PF) tem sido criativa no batismo das operações da lava-Jato. A 16ª foi denominada de Politeia, uma referência ao livro “A República”, de Platão, que cita uma cidade perfeita onde a ética prevalece sobre a corrupção. A 17ª recebeu a sui generis denominação de “Pixuleco” que segundo os policias era a forma como o ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, referia-se ao dinheiro cobrado das empresas do cartel que atuava na Petrobras. Ao mesmo tempo, em Brasília, José Dirceu também foi preso. Ele já cumpria prisão domiciliar pela condenação no processo do mensalão. Os relatos da Polícia Federal indicam que a prisão não foi surpresa para ambos. Envolvido no mensalão e agora na Lava-jato, José Dirceu já esperava pela ação policial. Para a PF, o ex-ministro da Casa Civil do governo Lula foi quem instituiu a cobrança de propina na Petrobras, em 2003.
Os irmãos eram sócios na empresa de consultoria JD, que mesmo depois do estouro do mensalão continuou recebendo dinheiro das empresas envolvidas no escândalo da Petrobras. Segundo a Polícia Federal, a empresa, agora extinta, recebia propina disfarçada, pois não tinha quadros técnicos que justificassem as consultorias. As investigações revelaram que desde a prisão de José Dirceu, Luiz Eduardo fazia a gestão da empresa a partir da residência em Ribeirão Preto. Os dois tiveram R$ 40 milhões bloqueados de suas contas, R$ 20 milhões na conta de cada um. Os irmãos terão de explicar à Justiça a origem desse dinheiro. O advogado de Dirceu e Luiz Eduardo, Roberto Podval, considerou desnecessárias as prisões. O ex-ministro tinha endereço fixo e não ameaçava a destruição de provas. Em Ribeirão Preto, o irmão de José Dirceu levava uma vida discreta. Os vizinhos contaram que ele não olhava as pessoas de frente com receio de ser reconhecido. Luiz Eduardo trabalhou na Transerp como diretor administrativo e financeiro entre 2000 e 2004. O PT de Ribeirão afirmou que não sabia da presença do irmão de José Dirceu na cidade.
Desde que as operações começaram, a PF já cumpriu centenas de mandatos judiciais, que incluem prisões, preventivas e temporárias, de políticos e de executivos das maiores construtoras. A soma de todas essas operações resulta no maior ataque à corrupção na história do país. Essa varredura só está sendo possível por causa da atuação de quatro instituições que consolidaram sua participação na sociedade, a partir da redemocratização. Em qualquer país, a autonomia desses quatro organismos sustenta os regimes democráticos: a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, a imprensa e as instâncias judiciais, da Vara Federal Criminal de Curitiba, do juiz Sérgio Moro, até o Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a transferência de José Dirceu, de Brasília para o Paraná, a fim de que as investigações prosseguissem.
Comprometida com a perseguição política no passado, a Polícia Federal virou baluarte da democracia. Conquistou autonomia em sucessivos governos e, desde que a Lava-Jato foi deflagrada, em março de 2014, já colocou muita gente graúda atrás das grades, fato impensável anos atrás. Depois que o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, saiu de cena, o Judiciário se fortaleceu com a atuação do juiz federal Sérgio Moro, responsável por conduzir uma operação inédita na história da Justiça brasileira. Essa verdadeira faxina institucional também conta com a firme atuação do Ministério Público Federal, representado por Rodrigo Janot e por uma nova geração de procuradores que está conseguindo recuperar até mesmo os recursos que foram desviados para o exterior. Isso também nunca havia ocorrido. Estima-se que a corrupção na Petrobras tenha provocado um prejuízo de R$ 19 bilhões. O repatriamento de dinheiro desviado está perto de alcançar a expressiva cifra de R$ 1 bilhão.
Por fim, as entranhas da corrupção estão sendo expostas graças a uma efetiva divulgação dos principais meios de comunicação que veiculam, diariamente, uma infinidade de denúncias. No seu principal telejornal, a Rede Globo deu um amplo destaque à prisão de José Dirceu, mostrando também o comprometimento do governo do ex-presidente Lula. Numa edição quase sem cortes, a matéria do Jornal Nacional foi encerrada com uma pergunta em off de um repórter que não era da Globo. Na coletiva, o jornalista perguntou aos delegados e aos procuradores se com a prisão de José Dirceu e com tudo que foi apurado até aqui, o ex-presidente Lula também poderia ser investigado. Serenamente, o procurador, Carlos Fernando dos Santos Lima, respondeu que na democracia do regime republicano todos podem ser investigados e acrescentou que o ex-presidente Lula não tem mais foro especial. Lula é um cidadão comum, igual a qualquer outro.