
As ingenuidades do impeachment
Em editorial na capa do domingo, o Jornal Folha de São Paulo pediu a renúncia da presidente Dilma Rousseff e do vice-presidente, Michel Temer. No mesmo final de semana, patrocinadas pela Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), responsável pela sugestiva campanha “Chega de Pagar o Pato”, centenas de entidades patronais assinaram um manifesto pedindo Impeachment Já. O abaixo-assinado foi publicado em jornais e em revistas nacionais. Embora a questão do impeachment seja polêmica, os situacionistas precisam reconhecer que o governo da presidente Dilma Rousseff conseguiu jogar para o campo da oposição um extenso espectro da sociedade.
A Folha diz que com pesar chegou à conclusão de que o governo da presidente Dilma Rousseff não tem mais salvação. Com exceção dos petistas e dos partidos que ainda apoiam o governo, a grande maioria da sociedade brasileira já chegou faz tempo a essa óbvia e dolorosa conclusão. A última pesquisa do IBOPE, por exemplo, também comprovou isso. O governo Dilma conseguiu a espantosa reprovação de 80% e está colhendo o que plantou, embora na sua visão a imensa maioria que pede pela sua saída não passa de uma elite golpista. A militância que ocupa cargos de comissão e que tem saído às ruas para defender a administração pública também faz parte dessa elite?
Mesmo que esse debate intenso esteja minado por atitudes extremadas de ambos os lados — Dilma transformou o Planalto num comitê contra o impeachment e oposicionistas picharam seu apartamento em Porto Alegre — o país está discutindo e vivenciando a questão política que decidirá o futuro. Nos últimos dias, surgiram novas teses. Uma delas, que pede a renúncia da presidente e do vice, prosperou com o apoio de um bloco de nove senadores do PSB, do PPS e da Rede que defende a realização de novas eleições presidenciais neste ano.
No meio da radicalidade aparecem visões ingênuas como a que sugere a renúncia da presidente Dilma Rousseff. Até o mais incauto dos observadores não acredita que o partido que aparelhou o Estado, montou um amplo, abrangente e perene projeto de poder, que está atolado até o pescoço com a corrupção, de uma hora para outra vá renunciar “num gesto de grandeza”. Ora, ora, é mais fácil o Sargento Garcia prender o Zorro. Nesse momento, a proposta de renúncia coletiva para convocação de uma nova eleição não passa de uma bomba de São João para distrair a atenção da plateia.
As mobilizações de rua, que deram início a esse processo que agora chegou ao Congresso Nacional, emparedaram o governo de Dilma Rousseff. Nesse combate, a presidente mostrou garras afiadas para permanecer no poder a qualquer preço. Outra ingenuidade é estranhar a transformação da administração numa feira livre para barganhar votos. José Sarney fez isso para conseguir mais um ano de mandato e Fernando Henrique utilizou do mesmo expediente para aprovar a reeleição. Somente nos livros de contos de fada, os partidos e os grupos políticos abrem mão espontaneamente do poder e de tudo que ele proporciona.
A questão pró ou contra o impeachment de Dilma será, portanto, resolvida de uma forma razoavelmente democrática. Será decidida no voto de deputados e de senadores, com a pressão legítima do eleitorado e o aval do Supremo Tribunal Federal que aprovou o rito do processo. Sufocada pela crise econômica, a sociedade espera por essa definição. A propósito deste tema, você sabe como votarão o deputado e o senador que se elegeram com a sua ajuda?
O eleitor precisa ter a clareza que, embora seja um passo importante para reverter o panorama atual, o impeachment de Dilma Rousseff não resolverá todos os problemas do país. A limpeza ética deverá prosseguir com Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros e centenas de representantes que possuem contas pendentes para acertar. O dia que esse processo acabar, sobrará pouca gente para contar a história. Por ora, é o impeachment que está na ordem do dia. A questão será resolvida por representantes eleitos, apesar das conhecidas mazelas da política brasileira. Um sábio ensinamento diz que a política consiste na arte de fazer o possível. As raras oportunidades históricas que se apresentam não devem ser desperdiçadas. Os erros custam caro para a sociedade civil, que paga o pato, e praticamente isentam de ônus as elites que governam o país. Nas próximas duas semanas, o Brasil deve resolver o seu futuro. Sem ingenuidade, fique de olho no voto do seu parlamentar.
Foto: Elza Fiuza | Agência Brasil