
A inocência eleitoral
A campanha começou para valer com a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. O trágico acidente que vitimou o candidato do PSB, Eduardo Campos, mudou o panorama da eleição com a entrada de Marina Silva. As últimas pesquisas mostram que, além da ex-ministra do Meio Ambiente, Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) são os candidatos com chances reais de vencerem a eleição. Na sua última entrevista, na bancada do Jornal Nacional, na mensagem final reservada ao candidato, Eduardo Campos fez um apelo que traduzia o sentimento nacional às vésperas de mais uma eleição. Com a morte inesperada, a declaração do ex-candidato do PSB ganhou ares de profecia e virou manchete dos principais jornais e revistas do país. “Não vamos desistir do Brasil” tornou-se um slogan de campanha de muitos candidatos. A frase tenta reverter o sentimento de apatia que permeava estas eleições, mesmo com o processo em pleno andamento.
Assim, numa análise inicial, estaria o povo brasileiro, com a sua democracia emergente, irremediavelmente desiludido e sem grandes expectativas de mudanças, mesmo com eleições gerais para deputado, senador, governador e presidente? Os levantamentos dos principais institutos de opinião captaram um dado preocupante, um sentimento dúbio e até mesmo contraditório do eleitor. Se a alta dose de apatia pode ser facilmente constatada, em largas parcelas do eleitorado, por outro lado, há também um latente desejo de mudança e de melhoria em função do caos da saúde, do pífio crescimento da economia, do temor pela volta da inflação e do cansaço com os intermináveis casos de corrupção que tomaram conta da administração pública brasileira. Pela primeira vez na história, essas pesquisas detectaram que diante da falta de perspectivas reais de mudança, mais da metade do eleitorado declarou que não votaria se não houvesse a obrigatoriedade. Por um descaminho do destino, essa desilusão foi substituída pela comoção com a trágica morte de um candidato à presidência. A menos de dois meses do pleito, a eleição embolou e o resultado está indefinido.A miopia política para destrinchar a realidade brasileira em muito se parece com fantasia que alimentou o futebol, desfeita de forma contundente com o histórico 7 a 1 aplicado pela Alemanha. Prosseguindo nesta metáfora, será que precisaremos levar uma goleada (mergulhar numa crise profunda) para enxergar com clareza os problemas nacionais? Por isso, a oportunidade da eleição não pode ser desperdiçada, mesmo que a votação não resulte na transformação ideal. As administrações estaduais e a federal fazem o país avançar ou retroceder. Existem candidatos comprometidos com algumas causas e outros que se movem estritamente por interesses pessoais. Por enquanto, só a máscara do futebol caiu. As demais, da falta de infraestrutura, da educação precária ou do custo elevado dos serviços permanecem preservadas pela ideologia dominante que sustenta as gananciosas elites.
Com as restrições impostas pela legislação eleitoral, a escolha passa pela audiência dos programas eleitorais no rádio e na TV, abominados por boa parte da população. A falta de identidade ideológica dos 30 partidos aumenta a confusão e dificulta a definição do voto, mas a resposta, como diz o José Luiz Datena, está na tela. A observação atenta ajuda na formação do juízo do valor. O programa eleitoral revela, por exemplo, quem é o cacique do partido que aparece mais que os demais candidatos, a velha raposa que nunca falta em todas as eleições, o candidato simplório que tenta se eleger em cima de um único bordão e o que fez o sensacionalismo barato com a segurança. Tem ainda o que se apresenta com a frase de efeito vazia, só para chamar a atenção, e o esperto que se faz de bobo para transformar a eleição numa palhaçada. Preste atenção nos partidos que fazem alianças espúrias e os que abrem generosos espaços para os puxadores de voto, mesmo que esses personagens tenham performances deploráveis diante das câmeras.
A ideologia dominante tenta transformar a eleição num jogo de manipulação, de meias verdades e discursos desprovidos de sentido. Apostam na desinformação do eleitor para capturar o voto dos incautos. Pode parecer uma eternidade, mas um intervalo da propaganda política possui apenas 50 minutos. A brevidade do tempo, medida em segundos, descontextualiza a política e nivela por baixo a igualdade entre os desiguais. Esconde as lacunas do discurso e abre espaço para a versão mais cosmética do marketing eleitoral que tenta seduzir o eleitor com belas imagens e uma melosa trilha sonora. Cabe ao eleitor não fazer o papel do inocente, daquele que não sabe nada, pois só assim poderá manter em suas mãos o poder de decisão para melhorar o país através do voto consciente.