
As inverdades
Logo que as primeiras notícias surgiram, parecia algo maquiavelicamente pensado, distante da realidade, uma ficção científica típica dos filmes do 007, da espionagem e da contraespionagem dos tempos da guerra fria. Época em que russos e americanos disputavam em todas as áreas a hegemonia do mundo. À medida que as investigações sobre a última eleição americana avançaram “a verdade” foi aparecendo. De fato, os russos se infiltraram nos Estados Unidos e através de engenhosas ferramentas da internet espalharam “mentiras” sobre a candidata democrata. Como a diferença de votos entre Hilary Clinton e Donald Trump foi pequena, tem lógica supor que a intromissão russa para desestabilizar a política americana surtiu efeitos. As investigações trouxeram à tona as “fazendas da internet” onde robôs bem programados despejam na rede 10 mil notícias falsas por minuto. Utilizando a sequência dos algoritmos e cruzando informações dos usuários, as máquinas programadas para promover a discórdia são capazes de enviar para internautas negros falsas notícias racistas atribuídas a um candidato. Também vinculam-se ao concorrente declarações machistas enviadas para as mulheres ou afirmações preconceituosas replicadas entre as minorias. Processo semelhante ocorreu no mesmo ano da eleição presidencial americana, na surpreendente saída da Inglaterra da União Europeia. Especialistas afirmam que a disseminação de notícias falsas influenciou o resultado do Brexit.
Em mundo globalizado, o que ocorreu nos Estados Unidos e na Inglaterra certamente pode se repetir no Brasil, principalmente num ano em que o país deverá realizar eleições gerais em um ambiente radicalizado, contaminado pelo ódio, pela intolerância, pelas agressões, pelas ofensas e pelo debate agressivo. O maior alerta sobre o risco que a democracia brasileira corre veio do novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, que colocou as notícias falsas como a principal ameaça à campanha eleitoral de 2018, pois as famosas “fake News podem derreter candidaturas de campanhas legítimas”.
Bem antiga, a discussão sobre “as mentiras” e as “verdades” remonta ao paraíso de Adão e Eva. Prosseguiu com milhares de explicações que as religiões e as crenças deram sobre a origem do mundo. Também contaminou as versões falaciosas que vencidos e vencedores difundiam sobre o resultado de conflitos e de guerras como a do Paraguai, a Independência e Abolição da Escravatura. Na modernidade, a rádio peão transmite um farto noticiário para disseminar fofocas, intrigas e as maledicências que destroem reputações em empresas públicas e privadas.
Com pouca tradição na leitura e lacunas enormes na formação cultural, o Brasil sempre se apresentou como um terreno fértil para a difusão de inverdades. Embora não haja fundamento objetivo, cristalizou-se no imaginário popular a venda da decisão da Copa de 1998 para a França pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Também existe o mito de que a contagem eletrônica dos votos realizada pela Justiça Eleitoral é fraudulenta. Nossos avós juraram que quem misturasse manga com leite morria na hora. Quem tomasse banho logo depois do almoço fatalmente morreria de congestão.
Como combater as notícias falsas? É possível fechar essa fábrica maquiavélica? Será possível conscientizar os internautas para que não compartilhem inverdades de forma acrítica? A legislação existente é suficiente para punir os desonestos ou será necessária uma norma jurídica específica? As respostas para essas questões virão no decorrer de um processo em que as posturas no mundo digital serão revistas. Um papel importante está reservado ao jornalismo. Nesse sentido, os estudantes do curso de Comunicação da Unaerp, através do Núcleo de Debates, promoveram uma discussão sobre as “As Influências das Fake News na Campanha Eleitoral de 2018”. O núcleo dessa discussão gira mesmo em torno do que é “verdade” ou “mentira”, que, a propósito, neste texto foram colocadas entre aspas devido à enorme subjetividade que carregam no significado.
Se para a filosofia, a verdade não vai muito além da percepção dos próprios sentidos, na presunção do direito individual, a vida e seus entreveros acontecem a partir de uma visão muito própria e cheia de interesses. Já a essência do jornalismo transparente se baseia na tentativa de relatar os fatos com maior veracidade possível para que a narrativa se aproxime de uma verdade que nunca será absoluta, mas sempre relativa. Na democracia, o juiz desse processo é o eleitor que precisa ficar alerta para não ser enganado por quem se especializou e está muito interessado em produzir e disseminar inverdades.