Jornalismo de opinião

Jornalismo de opinião

O país ainda estava de luto, se recuperando das tragédias de Brumadinho, das enchentes no Rio de Janeiro, do incêndio no centro de treinamento do Flamengo quando a morte de Ricardo Boechat, no dia 11 de fevereiro, comoveu o país. Depois de rodar por emissoras de TV, jornais e revistas, o jornalista conseguiu algo raro na mídia: um espaço sem censura para emitir opiniões com liberdade de expressão. Comentários, críticas e opiniões em jornais, em revistas e no rádio são comuns, mas na TV são raridade, pois se trata de um veículo de audiência massiva, principalmente no horário nobre. Com a experiência dos 66 anos de idade, carreira bem-sucedida e cheia de prêmios, o jornalista conquistou esse espaço no principal telejornal da Bandeirantes. Aos poucos, desde 2006, Boechat se tornou o principal jornalista opinativo da TV brasileira, abordando temas consensuais que há muitos anos saturam a paciência do telespectador brasileiro: a corrupção generalizada, a ineficiência do Estado e a incompetência dos políticos. 

Ao contrário das divulgações feitas pelas redes sociais, não há um complô fechado da mídia para encobrir grandes escândalos ou notícias. Pelo contrário, desde que houve a diversificação dos meios (uma infinidade de rádios, TVs, mídias sociais, portais, jornais e revistas), há entre os jornalistas e os principais veículos de comunicação uma corrida desenfreada para noticiar primeiro. Muitas vezes, nessa pressa alucinada, o processo de apuração é atropelado e injustiças são cometidas. As omissões são decorrentes da estrutura deficiente ou da falta de competência de veículos e de jornalistas para se antecipar às tragédias e trazer à tona novos escândalos. Nenhuma reportagem anunciou a possibilidade de rompimento da barragem de Brumadinho ou que o centro de treinamento do Flamengo funcionava em local inapropriado, sem alvará. A mesma omissão ocorreu em relação ao rompimento da barragem de Mariana ou no incêndio do Museu Nacional.

Uma parcela expressiva dos espectadores e do público aprecia um jornalismo crítico, contundente e incisivo, bem ao estilo Boechat. Aqui há que se fazer uma ressalva. O telespectador aprova um jornalismo opinativo desde que a opinião do âncora coincida com a sua. No espectro político, os comentários do jornalista não eram bem recebidos nem pela direita e nem pela esquerda. Um dos pioneiros do gênero foi o apresentador Boris Casoy durante sua passagem pelo SBT, que fez sucesso com o bordão “isso é uma vergonha”.  Por isso, as emissoras têm receio da figura do apresentador/comentarista, pois temas polêmicos dividem opiniões e provocam perda de audiência. Com a radicalização política ocorrida na eleição do ano passado, a imprensa do país está sob o ataque de governantes, dos políticos e dos internautas. Na avalanche das redes sociais, boa parte dos problemas brasileiros são atribuídos “à mídia”, invariavelmente taxada de omissa ou tendenciosa.

Com quase meio século de profissão, o perfeccionista Boechat era obcecado pela notícia bem apurada e escolhia bem os temas que seriam alvos de comentários contundentes, improvisados no rádio e no telejornal. Apesar de sofrer 130 processos durante os 48 anos de carreira, não tinha medo das autoridades e dos políticos poderosos a quem, ironicamente, tratava de “vossas excelências.” Como se diz na gíria, tinha coragem suficiente para dar “nome aos bois” e por isso conseguiu uma rara identificação com o público que o considerava um jornalista destemido “sem medo de falar a verdade”. Quem assistia ao desfile de notícias no Jornal da Band implicitamente ficava esperando aquele momento não programado em que o âncora rompia com a formalidade da TV, deixava o script de lado para exteriorizar a indignação contra os escândalos que se tornaram rotineiros. Envolvido com a política desde cedo, Boechat era ateu e militou no Partido Comunista. No entanto, a esposa Veruska Seibel disse no velório que seu marido praticava o mais importante mandamento cristão: o amor ao próximo. 

Nessa sucessão de notícias tristes se constata que não foram sanadas previamente as irregularidades na barragem de Brumadinho, no centro de treinamento do Flamengo e nas instalações do Museu Nacional, para citar apenas três exemplos. O helicóptero em que Boechat estava não tinha autorização para transportar passageiros. O jeitinho brasileiro custa muito caro. 

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