
As labaredas da campanha
No mesmo final de semana em que começou a propaganda eleitoral gratuita, um dos principais patrimônios históricos e culturais do Brasil virou cinzas com o incêndio do Museu Nacional. Se não fosse a tragédia, a preservação de museus e de prédios históricos certamente não seria tema de campanha. Discursos à parte, cultura e esporte, não são áreas prioritárias para um país que gasta R$ 139 bilhões a mais do que arrecada. Também não resolverá nada a discussão estéril sobre qual governo foi mais omisso, pois neste quesito nenhuma administração tratou o assunto como deveria. A falta de verbas e de preservação revela um problema crônico que se arrasta há anos, de norte a sul, por sucessivas administrações que adotam uma política comum: o contingenciamento e a redução de verbas que comprometem o desenvolvimento científico. O incêndio que destruiu o Museu Nacional e o seu acervo foi no Rio de Janeiro, mas a mesma fatalidade poderia e pode ocorrer em Ribeirão Preto, onde os museus estão fechados por falta de manutenção. No próspero Estado de São Paulo, já pegou fogo no Butantã e no Museu da Língua Portuguesa. O Museu do Ipiranga está fechado desde 2013.
Internacionalmente, o Brasil pagou mais um daqueles micos vergonhosos. Mais uma vez, revela ao mundo a incapacidade para cuidar da própria história e de acervos que possuem valor universal. O Museu Nacional, criado em 1818 por D. João VI, abrigava um dos maiores patrimônios de história natural da América Latina. Estima-se que 20 milhões de peças arderam no fogo. O incêndio também representa um duro golpe na pesquisa e nos programas de pós-graduação que estão em processo de estagnação com as graves reduções orçamentárias. Outro prejuízo grave será para a educação básica, uma vez que estudantes do ensino fundamental e médio não terão mais a oportunidade de adquirir conhecimento de forma prática, complementando a formação teórica dos livros de história, biologia e paleontologia.
Pesquisas revelam que, em um ano, apenas um em cada 10 brasileiros já visitou um espaço como o Museu Nacional. Por causa desse distanciamento entre a população brasileira e os acervos históricos poucas pessoas conhecem o valor do que foi perdido. Logo após a tragédia surgiram nas redes sociais listas de artistas que foram beneficiados por incentivos fiscais do Estado como a lei Rouanet, enquanto os museus ficavam sem verbas. Os artistas contemplados com verbas generosas revelam um perfil do Estado que precisa ser discutido na campanha eleitoral.
No dia 22 de agosto, o impostômetro da Associação Comercial e Industrial de São Paulo atingiu a marca de R$ 1,5 trilhão de impostos, taxas e contribuições que formam a pesada carga tributária do país. No ano passado, esse mesmo valor foi atingido 22 dias depois, ou seja, dia 14/9/2017. Mesmo com o aumento da arrecadação, não há recursos para setores essenciais e para a preservação dos museus. Falta gestão ao estado brasileiro que tem sido administrado por pessoas despreparadas, reféns dos cartéis, dos lobbys e da pressão de segmentos organizados e de interesses escusos.
Na campanha eleitoral, deve-se prestar atenção, principalmente aos presidenciáveis, a concepção que o candidato tem do tamanho do Estado. Pelo menos no discurso, melhorias na saúde e na educação, combate à corrupção são temas consensuais. O que difere um candidato do outro, a esquerda da direita, os conservadores dos liberais, os estatizantes dos privatizantes, passa pelo papel que o estado exercerá nas políticas de governo. Esse discurso fica obscuro por falta de transparência dos candidatos e até mesmo pelo desconhecimento da importância do tema. As raposas mais rodadas evitam propositalmente essa discussão para adaptar a proposta e o perfil do Estado de acordo com os interesses partidários futuros. Originam-se daí os famigerados loteamentos que transformam ministérios em feudos políticos e os privilégios que permanecem intocáveis apesar das sucessivas trocas de governantes. Se você já definiu o voto, veja se o seu candidato já deixou claro o papel que o estado terá em seu governo. Se ainda está à procura de um, descubra qual o peso que o Estado terá a partir de 2019. Essa questão é crucial para evitar que as labaredas continuem queimando a cultura e as aspirações nacionais. Os mais moderados vão achar que o anarquista Pierre Proudhon exagerou na dose, mas a sua frase até hoje, no sentido figurado, dá o que pensar: “Aquele que botar as mão sobre mim, para me governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo.”