
A Lava Jato de Ribeirão Preto
Embora os avanços inegáveis nos campos da ética e do cumprimento da lei, o Brasil ainda é um país tomado pela descrença no que se refere à política e ao trabalho das instituições. A operação Lava Jato, desencadeada a partir da Justiça Federal de Curitiba, mudou esse panorama nacional com a prisão de políticos e de empresários poderosos. Até então, pairava no ar a sensação de que era impossível vencer a corrupção. O Brasil era visto como o reino da impunidade, dominado por ladrões, por pessoas inescrupulosas interessadas em defender os próprios interesses e que estavam acima do alcance da lei. Nesse cenário desolador, o cidadão e os empresários honestos seriam os bobos dessa corte, os otários desse país controlado por uma elite perversa. A Lava Jato foi um divisor de águas dessa história, pois demonstrou de forma inequívoca uma capacidade de reação da sociedade através das instituições. Claro que as prisões, as investigações e os processos criminais não significam uma vitória definitiva sobre a corrupção, mas também não há dúvida de que um passo significativo foi dado.
Guardadas as devidas proporções, o mesmo se espera que aconteça em cada um dos 5.570 municípios brasileiros. No mínimo, a sociedade representada pelas instituições necessita que os recursos públicos, cada vez mais escassos, sejam aplicados em benefício da própria sociedade, sem o desvio dos agentes públicos e dos representantes políticos. Nesse sentido, a aspiração dos ribeirãopretanos é exatamente a mesma dos moradores de outras localidades: ética e transparência.
Nos últimos oito anos, as notícias sobre as irregularidades em processos licitatórios em Ribeirão Preto se tornaram cada vez mais frequentes. Foram inúmeros procedimentos públicos incorretos apontados pelo Ministério Público, pela imprensa e até por vereadores da oposição. Muitos desses questionamentos sobre a lisura desses processos receberam confirmações em decisões judiciais de primeira e de segunda instâncias que paralisaram concorrências, obras e pagamentos da Prefeitura de Ribeirão Preto. Informações sobre irregularidades e casos de corrupção, suborno, propina, tráfico de influência e empreguismo, até então sem comprovação, circulavam extraoficialmente (em off). Fortes esquemas políticos foram montados no Legislativo e no Executivo numa promiscuidade de interesses públicos e privados. Parecia que esse processo, que a cada dia se tornava mais latente, não teria fim. Os desonestos enriqueceriam à custa do erário público e nunca seriam descobertos. No mesmo diapasão, o dinheiro ilícito, o tráfico de influência e as articulações para comprar votos garantiam a perenidade desse esquema fraudulento, que sobrevivia aos processos eleitorais. Enquanto isso, o dinheiro que era canalizado para o bolso dos corruptos fazia muita falta no dia a dia do cidadão. As ruas, as avenidas, os postos de saúde e os projetos de interesse social foram ficando em situação precária.
Parecia que esse encrustado esquema local, que reproduzia as práticas mais nefastas da política brasileira, nunca ruiria. Supreendentemente, esse dia chegou e, como se diz na gíria policial, “a casa caiu” em uma inesperada investigação desencadeada pela Polícia Federal e pelo Grupo Especial e Combate ao Crime Organizado (GAECO). Na histórica operação Sevandija, que segundo o Houaiss faz alusão aos vermes e aos parasitas que vivem à custa alheia, a Polícia Federal, numa tacada só, prendeu 13 pessoas, entre elas dois secretários municipais. Na mesma operação, em plena campanha eleitoral, de forma inédita, nove vereadores foram afastados das funções e proibidos de entrar na Câmara de Vereadores e nas repartições públicas. Os áudios das conversas divulgados pela Polícia Federal são estarrecedores e revelam a sordidez do tráfico de influência de quem deveria zelar pelo interesse público.
Na mesma toada do que ocorreu no país, Ribeirão Preto não será mais a mesma a partir desse 1º de setembro de 2016. Os processos darão aos envolvidos a chance de apresentarem as defesas. Independentemente das penas que possam ser aplicadas e do ressarcimento dos cofres públicos, fica uma grande lição. Os flagrantes exibidos de forma abrangente pela mídia e a exposição pública vexatória, por si só, já são uma punição bastante contundente para demonstrar que a ética e a honestidade precisam prevalecer na vida pública e nas atividades privadas.