
Malfazejo porquê
No cotidiano viver dos dias, ouve-se muito a frase dita por cidadãos comuns: “Ribeirão Preto é terra de ninguém”. De chofre, a primeira reação que chega sem floreios à mente de quem escuta esse desabafo quase raivoso é pensar que o reclamante estaria levemente amuado por conta de algum despautério ou de algum entrevero ocorrido na lida. De forma passional, as pessoas costumam traduzir a realidade de acordo com a interpretação dos fatos mais próximos que acontecem à sua volta. Não possuem o hábito de estender o olhar mais crítico da avaliação para um pouco além das ocorrências do cotidiano.
A priori, parece que não há argumentos lógicos que justifiquem esse verdadeiro descarrilo da coletividade. Senão, vejamos. A cidade tem as autoridades dos três poderes formalmente constituídos, as instituições funcionando razoavelmente bem. Tem um poder legislativo que deixa muito a desejar e uma imprensa que acompanha os órgãos públicos, os governantes e os representantes das três esferas de poder.
Então, por quais razões Ribeirão Preto é uma das cidades do Estado mais rico com maior número de casos de dengue? Por que, ao contrário de outros municípios até menores, Ribeirão Preto não possui uma rodoviária decente e compatível com a sua importância econômica? Por que o centro da cidade é considerado pelos próprios comerciantes da área um local feio, sujo e sem infraestrutura?
As agruras de Ribeirão Preto são de fato bem maiores que um extenso rosário. Problemas que, tal como pedras, rolaram tempo afora até se transformarem em um ruidoso calvário que diariamente apoquenta a paciência dos cidadãos. Não há mais como desviar o olhar dos mendigos que fazem pontos nos semáforos, dos pedintes profissionais e dos moradores de rua que se escondem do relento na aba de majestosos bancos. Chegaremos ao dia em que não sentiremos mais prazer em olhar para cima, pois os horizontes da cidade estarão tomados por fachadas irregulares, imensamente desproporcionais, que invadem as ruas e os espaços públicos sem qualquer respeito à metragem do bom senso para poluir o visual das paisagens.
As ruas estão intransitáveis por conta de buracos que se multiplicam em um asfalto envelhecido com mais de 40 anos de vida. Incapaz de se autogerir, a decantada Califórnia Brasileira está à mercê de alguma federal interferência política, uma passada de chapéu para conseguir a verba do piche. O valioso Aquífero Guarani, maior patrimônio da cidade, está sendo sugado de forma criminosa por postos clandestinos, ameaçado de contaminação pelos lixões abertos no passado na Zona Leste e desperdiçado pela deseducação de uma parcela dos moradores.
A esta altura, o caro leitor deve estar se perguntando: de quem é a culpa pelo atual estado das coisas? Pode ser minha, pode ser sua, pode ser de cada morador da cidade, pode ser dos governantes de plantão, dos de outrora, dos que estiveram nos entrementes ou de todos aqueles que enxergam, mas não veem, dos que podem fazer, mas se omitem, dos que podem falar, mas não abrem a boca. Difícil explicar, em poucas palavras, as razões desse malfeitor porquê.