A marcha da insensatez

A marcha da insensatez

Em tempos de internet, como todo mundo tem o saudável direito de se manifestar, o Brasil vive uma espécie de guerrilha de versões. O mesmo fato sobe para a time-line das mídias sociais com interpretações antagônicas que reacendem a polarização radicalizada que se verificou na época da campanha eleitoral. Esse clima de fla-flu permanente não contribui para a retomada da economia que por sinal continua estagnada. Um investidor estrangeiro, por exemplo, que abra os jornais brasileiros encontrará um clima de confronto, um ambiente meio hostil, na maioria das vezes, por motivos irrelevantes.
 
Até aqui, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre integram a ala mais sensata das instituições brasileiras, pois sabem que em um país em crise, com 13 milhões de desempregados e uma economia frágil, não faz sentido ficar arrumando mais confusão. O Supremo Tribunal Federal (STF), o maior celeiro de vaidades do país, anda relativamente calmo. Vire e mexe algum ministro exorbita seus poderes e dá uma famosa decisão monocrática. No recesso, o STF fica quase parado só com plantão para as urgências. Até o ministro Gilmar Mendes faz tempo que não manda soltar ninguém. 

Por incrível que pareça, quem deveria ser o maior interessado na calmaria e na instalação de um clima de conciliação para possíveis entendimentos políticos entre governo e oposição é justamente quem dá sinais de que está trabalhando de forma intencional para por mais lenha na fogueira. Quando não há nenhuma polêmica à vista na pauta do dia, o presidente Jair Bolsonaro arruma alguma. O último destempero foi contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma instituição quase centenária que se opôs aos desmandos de quase todos os governos desde que a Nova República foi instalada em 1930. 

O presidente Jair Bolsonaro tem se comportado como uma criança mimada, cheia de vontades, que só aceita resultados quando eles estão de acordo com suas convicções, aspirações e interesses. Na campanha eleitoral, declarou repetidas vezes que as urnas eletrônicas eram fraudulentas e que não aceitaria outro resultado que não fosse a sua vitória. Quando as urnas que considerava viciadas lhe deram uma vitória consagradora, nunca mais tocou no assunto. No último devaneio presidencial, Jair Bolsonaro encasquetou que o atentado que sofreu durante a campanha eleitoral fazia parte de uma grande conspiração. Tudo pode mudar, mas pelas investigações feitas até agora pela Polícia Federal, a teoria da conspiração não se comprovou. O fato é que no dia 6 de setembro de 2018, em Juiz de Fora, Adélio Bispo de Oliveira entrou sozinho no meio da multidão e esfaqueou o então candidato a presidente. Como não usou uma arma de longa distância, não tinha expectativa de fugir e foi preso em flagrante, ocasião em que declarou que agiu “a mando de Deus”.

Baseado em laudos psiquiátricos, o juiz federal de Juiz de fora, Bruno Savino, considerou que pela demência Adélio é inimputável, ou seja, não responde pelos seus atos, mas pelo perigo que oferece à sociedade determinou a sua prisão em um presídio de Campo Grande. Uma sentença bastante sensata. Nem assim o presidente se convenceu. Como não gostou da decisão, queria que o sigilo telefônico do advogado de Adélio fosse quebrado. A OAB e a Justiça não concordaram. Contrariado, no meio de uma entrevista qualquer, o presidente da República resolveu atacar a memória de um morto, Fernando Augusto Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Segundo os órgãos oficiais do qual Bolsonaro é uma extensão, o pai do presidente da OAB está entre as centenas de desaparecidos na época da ditadura militar. 

Num comentário irônico e desnecessário, Bolsonaro diz saber das circunstâncias da morte de Fernando Augusto e se o Felipe quisesse poderia contar. O presidente da OAB respondeu que vai interpelar o presidente da República no STF. Aliados de Bolsonaro reconheceram que a polêmica era desnecessária, mas por contraditório que possa parecer essa tem sido uma estratégia recorrente do presidente. Atiçar polêmicas desnecessárias para manter seus seguidores em um estado de beligerância constante para que estejam sempre prontos a entrar numa guerra. Enquanto o clima de conflito se instala, outras discussões como a apresentação de propostas concretas para a solução dos problemas do país ficam confinadas aos gabinetes isolados de alguns ministros. O episódio da OAB deixa a nítida impressão de que o presidente está sempre atirando algumas iscas para atiçar seus seguidores e manter o clima de confusão no ar. 

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