
“Me ajuda aí”
O José Luis Datena foi uma das primeiras pessoas que conheci quando cheguei a Ribeirão Preto, em junho de 1989, para trabalhar na EPTV. Ele já era um repórter famoso, que se destacava pelas matérias criativas veiculadas em rede nacional. Marcou época no jornalismo ribeirãopretano. Fez reportagens com o ex-jogador Peu, com o ex-presidente Vadão do Botafogo e sátiras da Swat.
Não era só pelo trabalho profissional que chamava a atenção. Concorridos, os ambientes jornalísticos convivem com as fleumas das vaidades, e não raramente, com doses camufladas de falsidade. O Datena agia de uma forma bastante peculiar. De coração generoso, estava sempre aberto a ajudar algum colega em dificuldade, entretanto, não era bom vê-lo bravo. Seja por questões profissionais ou pessoais, se precisasse rasgar o verbo contra alguém, dizia cobras e lagartos na lata do sujeito, mas não guardava ressentimentos. Depois que colocava tudo para fora com uma franqueza contundente, virava a página e esquecia do ocorrido. A desavença estava definitivamente enterrada. Até mesmo as chefias pensavam duas vezes antes de encarar o seu vozeirão e a sua envergadura em uma discussão mais acalorada.
No começo de 1990, foi para São Paulo e depois cobriu com destaque a Copa do Mundo da Itália, obtendo reconhecimento nacional. Oriundo do rádio e acostumado a improvisar, destacou-se nas transmissões esportivas, muitas vezes, fazendo críticas ácidas. O famoso “vocês vão ter que me engolir”, do ex-técnico Zagallo, teve Datena como destinatário da mensagem. Anos mais tarde, treinador e jornalista se reconciliaram. Ainda nos anos 90, as emissoras de TV descobriram que o jornalismo policial poderia render significativos pontos de audiência. Datena também se transformou em apresentador de programa policial. Conquistou pontos no Ibope e foi disputado pela Record e a Bandeirantes. Em conflito, rompeu um contrato com a Record e teve que pagar uma multa milionária de R$ 23 milhões, segundo o próprio Datena, o maior valor que um profissional de TV já desembolsou. Muito criticado por intelectuais e a grande imprensa, defende-se parodiando Nelson Rodrigues. A violência se tornou um dos principais problemas do país e essa realidade, por mais cruel que ela seja, não pode ser omitida. “É a vida como ela é”, diz o apresentador.
Depois que seguiu sua carreira em São Paulo, nunca mais o encontrei pessoalmente. Mesmo quando o via com o olhar carregado, apresentando o programa de TV, lembrava daquele Datena esportivo e bonachão do início da carreira. Numa demonstração de que não esquece mesmo dos seus amigos e da sua origem, deixou o seu programa em São Paulo, fato raro de acontecer, e aceitou o convite para vir a Ribeirão Preto fazer uma palestra na comemoração dos 30 anos da Revide. Vinte e seis anos depois, o reencontrei na porta do Theatro Pedro II. Para a minha satisfação, lá estava o mesmo Datena, de cabelos brancos, atendendo a todos, indistintamente, até que a fila se esgotasse, dos ribeirãopretanos mais ilustres aos mais humildes.
O mundo e as pessoas mudam tanto, mas alguns conseguem manter a sua essência apesar do dinheiro e da fama. Na palestra de uma hora e meia em que ninguém saiu, apesar do calor, a mesma franqueza de sempre. Sem enfeitar, o apresentador contou erros e acertos, as mancadas que deu na vida, o descuido com a saúde, narrou sem floreios os piores e os melhores momentos. No final da palestra, ao relembrar desse passado e do seu amigo Sócrates, emocionou-se e chorou na frente de todo mundo. Quem assistiu gostou, Datena é um emérito contador de histórias.
Depois no Pinguim, fez uma meaculpa. Lamentou ter ficado nove anos sem vir a Ribeirão Preto. Nesse período não procurou alguns amigos antigos que também não o procuraram mais, achando que ele tinha se tornado uma celebridade inacessível. Entre um chope e outro, cobrou a reciprocidade que deve existir nas amizades. “O telefone faz e recebe as chamadas”, disse em tom imperativo. A vinda a Ribeirão Preto também propiciou um reencontro com os velhos amigos. Além da violência que está nas ruas, a perda dos amigos, pelos mais variados motivos, também é uma situação muito recorrente hoje em dia. O que faz um bordão se tornar sucesso são os seus múltiplos significados. Pode ser que para todo mundo que perde amigos pelos descaminhos da vida, o “me ajuda aí” que o Datena consagrou talvez tenha um signficado embutido, um apelo emotivo, pois mesmo as celebridades e as pessoas mais simples sentem falta das velhas e boas amizades.