
Nem as atendentes virtuais escapam
As redes sociais revelaram uma face perversa do ser humano que ficava camuflada em um jogo de aparências, de falsos formalismos, de pinceladas de boa educação e de traços de civilidade. As mídias sociais serviram para tornar pública a agressividade ameaçadora, o vocabulário rasteiro, o preconceito contra mulheres, a intolerância com as minorais e o desrespeito às mínimas noções de civilidade. Os maus exemplos proliferam de todos os lados, basta ver os comentários dos usuários em qualquer site de notícia. Os jornalistas não são a exceção e também são contaminados pela onda raivosa que assola o país. Recentemente, o jornalista Diogo Mainardi se autodemitiu do tradicional programa Manhattan Coneccion, exibido na TV Cultura, após ofender um entrevistado com um palavrão. Depois, o jornalista reiterou a ofensa no Twitter.
Atribui-se ao filósofo grego Epícuro o questionamento sobre o caráter e a ética dos atos solitários quando ninguém está vendo. A tecnologia possibilitou essa experiência inusitada e o resultado não tem sido bom. Milhares de cidadãos da atualidade dão um show de mau comportamento em público, mas também em particular. Grandes empresas que utilizam a inteligência artificial para atender a solicitações de clientes reagiram diante da avalanche de assédio moral que as atendentes virtuais sofrem. Hoje, já existem no Brasil cerca de 100 mil empresas utilizando os chatbots de Inteligência Artificial para conversar com os clientes. Alexa da Amazon, Bia do Bradesco e Lu do Magazine Luiza são as mais famosas. Assédio sexual, racismo, bullying e um festival de grosserias foram os principais ataques sofridos pelas atendentes virtuais. Só a atendente do Bradesco recebeu quase 100 mil mensagens ofensivas em 2020.
O assunto ganhou tanta relevância que até a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou uma campanha para diminuir o assédio contra as atendentes virtuais. Alguém pode achar exagerada a mobilização mundial para defender máquinas com vozes femininas do assédio virtual, mas os agressores podem reproduzir no mundo virtual uma forma agressiva e desrespeitosa de tratar as mulheres no mundo real. Cerca de 90% das atendentes tem nome de mulheres e vozes femininas. O receio da ONU e de outras entidades que monitoram o mundo cibernético é que essas condutas abusivas sejam naturalizadas, especialmente pelas novas gerações. Especialistas sugerem que vozes humanas reajam aos insultos e que se adotem medidas para punir e responsabilizar os agressores. Na tecnologia, a humanidade fez gigantescos avanços, mas do ponto da visita da educação e do respeito, algumas pessoas ainda continuam na idade da pedra. O preconceito contra mulheres não está só mundo real, mas também no ambiente virtual. Os infratores precisam ser educados.