
No limite da transgrssão
Esta semana, uma leitora pedia que a redação da Revide cobrasse das autoridades providências com relação à grande quantidade de jovens que se encontram nas ruas e nos postos de combustível, em altas horas da madrugada, para beber de forma exagerada. Depois saem pelas ruas dirigindo em alta velocidade, colocando em risco a própria vida e a de outras pessoas.
A infinidade de escolhas possíveis fez brotar uma crise de ética e de integridade que abarca do mais graduado executivo até o cidadão mais humilde, que fica atônito e perplexo diante das inúmeras encruzilhadas da vida. Nesse terreno arenoso das individualidades, pessoas com a autoestima baixa se veem às voltas com problemas a resolver e se apegam às soluções esquemáticas vendidas pelos livros de autoajuda que desprezam as circunstâncias e as peculiaridades de cada indivíduo. As pessoas sabem que necessitam melhorar, mas não conseguem descobrir o que devem fazer, as regras que precisam ser respeitadas e as que podem ser quebradas para estabelecer um novo padrão de comportamento.
Entre idas e vindas, não dá para embarcar alegremente no refrão do Zeca Pagodinho e “deixar a vida nos levar”. Escolhas erradas costumam levar a caminhos sem volta. Talvez seja melhor sacar a fina ironia do Zé Ramalho e entoar “Eh, .. ô, ô! Vida de gado, povo marcado, povo feliz”, para perceber que a massificação imposta pelo consumo sem limites padroniza as aspirações e só faz aumentar a legião de frustrados.
Nesta hora crucial, há que se estender a mão à psicologia para resgatar o amor próprio, recuperar a autoconfiança, enfim, descobrir onde se escondem as essências perdidas. Entre as questões mais angustiantes da atualidade estão os limites, os parâmetros do prazer, as fronteiras das transgressões e da indelével vontade de levar a vida saciando uma fila interminável de desejos. A psicóloga Betty Milan, em um lúcido artigo publicado na revista Veja, de 6 de abril, põe o dedo nessa ferida coletiva ao conceituar que “ninguém é livre por fazer o que bem entende, e sim, por desejar fazer o que pode... A conduta que se norteia só pela própria fantasia não é livre, é perversa, pois faz do prazer a única lei do desejo. A vida depende do ensinamento da contenção, que não é sinônimo da repressão. Quem se contém o faz porque quer fazê-lo, e não porque é obrigado pelos outros. Obedece a uma lei que não é exterior, mas que foi interiorizada. Quem é reprimido deixa a contragosto de fazer o que deseja — e por sentir-se contrariado, tende a valorizar a transgressão”.
Freud certamente ficaria orgulhoso de tão bela reflexão. De quebra, as vidas de muitos jovens que enveredam precocemente pelo caminho da bebida e da irresponsabilidade no trânsito certamente seriam preservadas de um encontro prematuro com a morte se eles, espontaneamente, entendessem o sentido mais denso dessa reflexão. Livres sempre serão aqueles que levam os outros em conta nas suas relações afetivas, profissionais e sociais. Feliz daquele que consegue passar a vida desejando, ardentemente, tudo aquilo o que um dia poderá fazer.