
A nova rota do vinho
Os especialistas dizem que quando se abre um vinho não se destampa apenas um recipiente que contém uma bebida. O ato tem um significado bem maior com poder de agregar e reunir pessoas em torno de uma confraria. Assim, o simples ato de sacar uma rolha pode significar o começo de uma viagem pela história, por uma longa tradição, pela evolução do processo de fabricação da bebida. A Santa Ceia representa para os cristãos esse poder que o vinho tem de agregar religiosidade, satisfação, alegria e momentos de felicidade pura, livre e despreocupada. Um prazeroso estado de torpor como dizem os que ficam levemente embriagados.
Países da Ásia, Europa e da América Latina já descobriram há muito tempo o prazer de apreciar com moderação essa bebida. A família Carrau, por exemplo, de origem catalã, está na décima geração, tem mais de 260 anos de história na produção de vinhos. Já produziu vinhos na serra gaúcha, em Caxias do Sul, e hoje é a maior fabricante no Uruguai, em Montevidéo e na fronteira de Rivera e Livramento (RS), no Cerro do Chapéu. Além do famoso Castel Pujol, esta vinícola produz o famoso Amat Tannat, que consta no famoso livro dos “1001 vinhos para tomar antes de morrer”.
No Brasil, no entanto, esse prazer ainda não foi descoberto pela grande maioria dos consumidores. Apesar do tamanho continental e a população de mais de 208 milhões de habitantes, estamos apenas em 17º lugar no ranking da bebida fermentada da uva com 330 milhões de litros comercializados. O consumo per capita brasileiro não passa de dois pífios litros por habitante, sendo que desse total quase a metade são os antigos vinhos de garrafão, servidos fracionados em restaurantes pelo interior do país. Os campeões portugueses tomam 58 garrafas de vinho por ano. Numa comparação, o consumo per capita de cerveja no Brasil anda ao redor de 60 litros por ano e esse mercado já vive a experiência de um momento interessante: a descoberta do consumidor pelas cervejas artesanais que hoje já possuem 900 fabricantes espalhados pelo Brasil.
Sem secar o consumo de cerveja, os apreciadores do vinho garantem que o povo brasileiro seria ainda mais feliz se descobrisse os prazeres do vinho. Para contribuir nesse processo de descoberta novas regiões produtoras estão surgindo aliadas ao potencial turístico. A rota dos vinhos mais tradicional e conhecida do Brasil é a da Serra Gaúcha com uma história de quase 150 anos. Os primeiros imigrantes italianos que colonizaram a região, principalmente em Caxias e em Bento Gonçalves, chegaram em 1875, na região que ficou conhecida como “um pedaço da Toscana”. No entanto, a apreciação do vinho com sofisticação possui uma história mais recente que começou a partir de 1970 com a abertura para o turismo. Algumas vinícolas da região de Bento Gonçalves romperam as barreiras da distância, da tributação e até a rejeição ao produto nacional e conquistaram o mercado do centro do país, casos da Miolo, Salton, Valduga, Lídio Carraro e da centenária Aurora. No entanto, a Serra Gaúcha possui mais de 300 vinícolas de pequeno porte com produções restritas e especiais, onde é possível degustar um bom vinho ouvindo as histórias do próprio dono.
Como o mercado sempre está ávido por novidades, enólogos e produtores foram em busca de inovação. Encontraram no paralelo 31, na região da Campanha no Rio Grande do Sul, um terroir diferente que combina de maneira favorável o potencial do solo, as amplitudes térmicas com larga variação de temperatura entre o frio da noite e o calor do dia. Os invernos são frios e úmidos, chegando a temperaturas negativas. Já os verões são caracterizados por dias quentes e noites frescas. Nessa região de Bagé, Candiota, Dom Pedrito e Livramento estão instaladas 17 vinícolas, entre elas a Bueno Wines do narrador da Rede Globo, Galvão Bueno, junto com as vinícolas Batalha, Salton, Almadén, Seival, Peruzzo, Guatambu e outras. As condições são as mesmas da Argentina, do Chile e da África do Sul, pois a região está no mesmo meridiano das melhores vinícolas do mundo. As características peculiares desse vinho se juntam à beleza da região sediada no bioma pampa, às histórias das batalhas farroupilhas, ao legado arquitetônico e cultural dos espanhóis e dos portugueses e até mesmo à produção de azeites especiais.
O empresário ribeirãopretano, Gilberto Pozzan, dono da Vinícola Batalha, em Candiota, ao lado do sócio, Giovâni Peres, acredita que um dos segredos para conquistar o paladar do consumidor em um mercado tão concorrido passa por uma produção em pequena escala, predominantemente artesanal, com a mínima interferência de elementos químicos. Resgatar a essência da uva na produção de vinhos e obter o reconhecimento nacional é um sonho para o qual se dedicam os vitivinicultores da região da campanha.