
O anódino Discurso do Rei
O Oscar não deveria exercer tanta influência na escolha dos cinéfilos, mas basta que o filme seja indicado ao prêmio da Academia para que milhões de pessoas corram aos cinemas. Dos 10 indicados ao prêmio de melhor filme deste ano, cinco já foram ou estão sendo exibidos nos cinemas de Ribeirão preto. O favorito para levar o prêmio deste ano — “O Discurso do Rei” do diretor Tom Hooper — recebeu 12 indicações, mas diz pouco para plateias abaixo da Linha do Equador.
Muito tempo de filme para pouca história: o duque que virou rei por obra do acaso e que para ascender à nobreza precisava curar a gagueira. O ápice da cura e do filme se conjuminam na hora em que a vossa alteza consegue discursar. No meio, há uma atuação sempre brilhante de Geoffrey Rush — que tem no currículo uma magistral interpretação do implacável inspetor Javert em “Os Miseráveis” — como um “terapeuta da fala”. Rush foi indicado para melhor ator coadjuvante, mas isso não é suficiente para alçar a anódina película da categoria de bom filme para algo que mereça arrebatar a estatueta. Antes que acusações de pedantismo sejam vociferadas abrevio de bom grado a ida ao Aurélio: insignificante, secundário e não faz jus ao Oscar. De fato, entre os 10 concorrentes, não há nenhuma obra grandiosa merecedora de todos os louros do tapete vermelho.
Outros filmes exibidos em Ribeirão Preto foram bem mais interessantes. “Minhas Mães e Meu Pai” e a Rede Social que envereda pela mais nova faceta do comportamento humano: a comunicação horizontalizada sem a mediação de instâncias hierárquicas. Essas produções, ao lado do “Cisne Negro”, seduzem melhor as plateias que apreciam o cinema em três dimensões (3D), aqueles filmes cada vez mais raros que conseguem conjugar entretenimento, conteúdo e alguma dose de reflexão, por menor que ela seja. Na esteira de filmes espíritas que apareceram nas telas brasileiras nos últimos meses — Chico Xavier e Nosso Lar — “Além da Vida” de Clint Eastwood traz Matt Damon em uma mediúnica interpretação. Registre-se que no Brasil 20 milhões de pessoas professam o espiritismo. O filme abre a janela das experiências de pessoas que viram a morte de perto. Sem fazer propaganda da doutrina espírita, trata o tema com a devida leveza.
Movido por uma curiosidade intrínseca, o ser humano sente-se instigado a espreitar a morte através da busca de uma conexão com quem já partiu. No roteiro do filme, o personagem de Matt Damon quer fugir desse mundo da clarividência da comunicação com os mortos. Aliás, o diretor do filme não recomenda atropelar a ordem natural dos fatos e nem tampouco mudar o eixo da existência. “Uma vida centrada na morte não é vida”, desabafa em tom reflexivo o personagem de Matt Damon. Mesmo com esse tema universal, o filme de Clint Eastwood, autor de duas boas produções recentes, Gran Torino e Invictus, não recebeu indicações para prêmios, mas está aí um filme que deve ser melhor apreciado, mesmo por quem não nutre muita simpatia pelo tema.
Afinal, depois que o filme acaba, a gente fica pensando que o personagem do Matt Damon tem toda a razão. Embora a vida e a morte estejam sempre muito próximas, apartadas por uma tênue linhazinha, no dia a dia, a melhor estratégia de pensamento é separar bem uma coisa da outra.