O apito do trem

O apito do trem

Nos últimos, a visão do front de Ribeirão Preto não tem sido muito animadora. Além dos problemas que se arrastam por anos — buracos e desperdício de água, para citar apenas dois — uma parte das discussões que deveriam ser públicas migrou para as páginas policiais. A administração municipal anterior deixou como legado uma interminável série de crimes. Quando se abre essa caixa-preta surgem notícias estarrecedoras como o sumiço do dinheiro dos alugueis da Feapam. No final de 2016, mais de um 1/3 da Câmara de Vereadores foi afastada sumariamente da política pela Operação Sevandija, mas as irregularidades não terminaram com o banimento dos envolvidos. A herança do descalabro se mantém viva no anexo inacabado da Câmara de Vereadores que custará R$ 8,5 milhões. Assim, o desnorteamento da administração pública local vai contaminando mandatos e gestões, tornando-se perene. Mesmo que se encontre uma solução razoável para o anexo, a obra poderá se tornar um grande elefante branco, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a cidade tenha 22 vereadores e não os atuais 27, o que sem dúvida seria de muito bom senso e do interesse público. Apesar de ser nova, a legislatura atual já comprometeu boa parte da credibilidade, uma vez que quatro dos seus representantes são alvos de denúncias e processos que podem resultar em cassações. Ainda teve vereador que se autoincriminou publicamente. Em uma continha de chegar, 27 menos cinco, dá 22 certinho. 

No ano que passou, a atual administração teve direito a um desconto em função da caótica gestão anterior, mas passado um ano da posse o novo governo será mais cobrado a partir de agora para apresentar resultados. A realidade atual, com a escassez generalizada de recursos, impõe um novo viés que passa pela capacidade de articulação política para melhorar a prestação de serviço, área em que sabidamente existem problemas sérios a resolver. Concedido esse desconto de um ano, esta administração tem dívidas importantes para resgatar, três delas são as unidades do Ambulatório Médico Especializado (AME), exaustivamente prometidas pelo atual prefeito na última campanha eleitoral. O Ministério Público cobra o fim dos intermináveis vazamentos de água, os estudantes gostariam de começar o ano com uniforme e material escolar e quem pedala quer de volta a ciclovia, extinta pela falta de uma verba mensal de R$ 30 mil. 

A despeito da crise econômica e da gestão feita por representantes públicos, Ribeirão Preto se ressente de uma articulação política capaz de desatar nós e tirar projetos do papel, guardadas as diferenças, no ritmo da iniciativa privada. Há um vácuo político e administrativo que precisa acabar através da introdução de propostas criativas. Responsabilizar e criticar um único órgão por isso seria levar o problema a uma redução improdutiva e simplista. Não se trata de culpar a Prefeitura, a Câmara de Vereadores ou as entidades representativas da sociedade. Faz-se necessário mudar o enfoque da gestão coletiva, saindo da postura defensiva do interminável apaga-incêndio para um planejamento propositivo. 

O caso recente das duas marias-fumaça abandonadas ao relento serve bem para ilustrar a falta de um diálogo construtivo em torno de projetos. De autoria controversa, tramitava nos bastidores uma proposta para construção de uma linha turística de oito km  na cidade, utilizando a locomotiva abandonada na antiga Estação da Mogiana. A maria-fumaça localizada na Praça Francisco Schmidt também se encontra em situação de penúria. O abandono dessas duas máquinas, que representam um passado próspero da cidade, demonstra o desleixo com patrimônio histórico e revela uma decadência política e econômica. Em relação a essa questão e a tantas outras, as forças vivas, incluindo aí a Prefeitura, a Câmara de Vereadores, deputados e a própria imprensa estavam adormecidas. Quando a cidade de Salto quase levou a máquina para usar em outro projeto turístico, houve uma gritaria e uma comoção geral com a possibilidade de perda desse patrimônio histórico que, verdade seja dita, só ganhou destaque devido ao interesse de outro município. Num passado distante, Ribeirão Preto já foi uma locomotiva que andava bem nos trilhos do desenvolvimento econômico, apresentando expressivos indicadores de crescimento. Hoje, fora alguns apitos estéricos, parece com uma maria-fumaça que anda devagar e com enormes dificuldades para por em prática novos planos e projetos que melhorem a cidade. 

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