
O bálsamo de Vargas Llosa
Mesmo que isso nem sempre seja evidente, a humanidade vai aos poucos deixando para trás aquilo que ela ainda carrega consigo de pior, ou seja, de uma forma frequentemente invisível, vai melhorando e se redimindo”. A visão otimista da realidade e do futuro tem a ilustre autoria do escritor peruano, Mario Vargas Llosa, e soa como um bálsamo diante dos inúmeros desalentos da atualidade.
As previsões dos especialistas adiantam que entramos na era do biênio da crise repetida. Isso significa dizer que 2016 será pior ou igual a 2015, pois o descalabro político e econômico se espalhou para outros setores da vida social. O caos começou pela política, passou pela economia e chegou à saúde. Um olhar mais profundo revela também que a corrupção desmedida nocauteou a ética e a integridade nacional. Hoje, o cidadão comum está convicto que todo mundo é ladrão até prova em contrário. O sinal mais evidente da degradação gerada a partir do esfacelamento do poder político central é o caos da saúde e o sucateamento dos hospitais públicos. Órgãos oficiais como o Ministério da Saúde simplesmente ficaram prostrados e assistiram inertes ao país ser tomado por uma epidemia de dengue que trouxe a reboque outras duas moléstias graves: a chikungunya e o zika vírus, que causa a microcefalia em bebês.
Todo mal tem suas origens. Numa área vital do país, o obscuro Marcelo Castro foi empossado, em outubro do ano passado, no cargo de ministro da Saúde, como moeda de troca do governo da presidente Dilma Rousseff para acalmar o PMDB e arrefecer o movimento do impeachment, mesmo que isso comprometesse a saúde do povo. Entidades médicas denunciaram a notória incapacidade política do ministro e pediram a sua saída. Num ataque de “sincerídio”, única declaração acertada, Marcelo Castro disse que o país perdeu a guerra contra o mosquito transmissor de quatro graves doenças, embora sua ostensiva presença no território nacional remonte a séculos passados.
Nessa conjuntura bastante adversa em que o país se encontra, problemas nacionais, estaduais e locais se entrelaçam criando uma espécie de teia que derruba o ânimo, provocando dores generalizadas na alegria e cansaço extremo ao constatar que velhos problemas não se resolvem. Confirmada a relação existente entre o zika vírus e a microcefalia, o que dizer para a geração de mulheres que acalentaram por anos o sonho de maternidade? Que mudem de cidade, de estado ou de país ou que durante a gestação cubram até a raiz dos cabelos? Embora as três esferas de poder tenham uma parcela grande de responsabilidade, o cidadão comum também tem a sua cota de culpa. A discussão não se encerra com a transferência do ônus para o governo federal ou para a Prefeitura. Todos precisam fazer a sua parte. Com a reabertura do Congresso Nacional, a Contribuição Provisória das Movimentações Financeiras (CPMF) ameaça ressuscitar. A inflação do ano passado foi de quase 11% e as tabelas do Imposto de Renda foram reajustadas por menos da metade desse índice. A combalida saúde foi drasticamente atingida pelos cortes do orçamento.
Diante da desesperança reinante, tomara que o escritor peruano seja mesmo um arauto de páginas a serem viradas. Assim, chegará o dia em que a corrupção será mesmo uma moléstia extinta como tantas outras doenças que já desapareceram. Ainda estaremos aqui para ver a incompetência ser varrida dos ministérios. Não haverá mais aspones políticos nomeados para cargos importantes. A própria evolução fará com que o cidadão seja cônscio dos seus direitos e dos seus deveres. A única coisa que não pode acontecer é a frase do Vargas Llosa, que serviu de base e de inspiração para o texto e a linha de raciocínio, ser mais uma peça de ficção do genial romancista. Nossa situação vai piorar muito quando duvidarmos da nossa capacidade de mudar o mundo que nos cerca.