
O barato do corredor
O mundo moderno está contaminado por uma coletânea de maus hábitos: o uso desmedido das bebidas alcoólicas, o vício do tabagismo e os malefícios provocados pela vida sedentária. De forma despretensiosa, as democráticas corridas de rua conseguem reunir homens e mulheres de todas as idades, sem distinção de tamanho ou de posição social. Depois do apito e da dispersão do bolo da largada, um corredor descalço pode deixar para trás o atleta que usa tênis importado com amortecedor.
Virou uma febre. Tempos atrás, corredores solitários só eram vistos pelos parques e pelas avenidas. Em Ribeirão Preto, de três anos para cá, as corridas caíram no gosto popular e granjearam novos adeptos. Hoje, os circuitos atraem centenas de pessoas. Os corredores garantem que as provas de rua provocam uma rara sensação de bem-estar, uma euforia ímpar que só os esportes mais completos conseguem proporcionar. Esse relax do equilíbrio, que exaure o corpo e alivia a mente, está associado às prazerosas propriedades da endorfina, o hormônio neurotransmissor liberado durante a corrida que, energeticamente, bomba pelo corpo inteiro.
Sem se ater às nuances das explicações científicas, o êxtase que a corrida provoca funciona como uma espécie de amálgama existencial que se contrapõe aos esforços frenéticos demandados por duras rotinas. Longos dias de pequenos sacrifícios antecedem a esse estado de euforia. Lá no fim, só se cruza a linha do resultado projetado depois da preparação, da disciplina e da intensa dedicação ao alcance da meta. Pode correr 5 km ou 10 km. Em cada desnível do circuito, a corrida de rua reproduz o embate do indivíduo contra os desafios da vida.
Entre a largada e a chegada, há uma distância a ser suplantada com pequenas dores pelo caminho e alguns passos em falso. Seja com a rapidez de um coelho ou no tranco persistente do jabuti, ao longo desse percurso, o corredor vai demonstrando para si mesmo sua capacidade de vencer os próprios limites. Recomenda-se correr de boca fechada, num ritmo próprio, sem prestar atenção na passada do vizinho, para aprender a sorver com a calma necessária o ar que oxigena os pulmões.
Para ser um vencedor, não há necessidade de quebrar um recorde. Nessa particular disputa da vida, a vitória pessoal sobre a distância que vai ficando para trás tem um sabor muito especial e proporciona um barato indescritível que só o solitário corredor é capaz de descrever.