O Brasil de agora e do Chatô

O Brasil de agora e do Chatô

Fernando Morais, o autor do livro em que se baseia o filme, escreveu na capa que Assis Chateaubriand (1892 a 1968) foi um dos brasileiros mais poderosos do século passado, elegeu-se senador e foi membro da Academia Brasileira de Letras. Alguns brasileiros poderosos da atualidade, banqueiros, empresários da construção civil e políticos, estão indo para a cadeia. O criador do império dos Diários Associados, com jornais, rádios e depois emissoras de TV, para muitos o “Cidadão Kane brasileiro”, era um empresário inescrupuloso que não hesitava em chantagear anunciantes para arrancar verbas publicitárias. Sua influência foi tanta na comunicação, que depois da sua morte, no final dos anos 60, discípulos surgiram em quase todas as cidades do país. Eram jornalistas e radialistas, com pequenos grupos de comunicação, especializados em extorquir empresas e políticos com base em reportagens devastadoras para demolir reputações. Chatô foi uma espécie de professor dessa maligna escolinha que deixou muitos seguidores. 

O visionário magnata da imprensa, que fez fama e fortuna com sua cadeia de comunicação, também era um debochado contumaz, mulherengo inveterado e polêmico por natureza, envolvido com a política nacional e implacável com seus inimigos contra os quais não hesitava em lançar mão do jogo sujo. Quando percebeu que investir em arte, por exemplo, conferia prestígio e poder, Chateaubriand ajudou a fundar o Museu de Arte de São Paulo (MASP), talvez a passagem mais nobre do seu currículo sombrio. Talvez por isso, o diretor Guilherme Fontes tenha optado por fazer uma livre adaptação da obra de Fernando Morais, sem o compromisso da cinebiografia, embora alguns acusem Fontes de fazer a captação de R$ 80 milhões para esse fim. Vinte anos depois entregou uma obra de ficção com uma narrativa onírica, despreocupada com a sequência cronológica. Com esse cinematográfico recurso, a história se apresenta como uma grande farsa. Até os temas mais emblemáticos foram filmados sobre a ótica do humor. Essa estratégia rendeu rasgados elogios da crítica, da Folha de São Paulo à revista Veja. A polêmica sobre a demora na conclusão do filme rende um capítulo à parte e ainda está na Justiça.

O diretor repassou a vida de Chatô a partir de um hipotético juízo final, em um programa de TV no domingo, dia de maior audiência. No ficcional epílogo de sua vida, Chateaubriand agonizava vítima de um enfarte, enquanto sua trajetória escandalosa era revista por aliados, inimigos e ex-mulheres. Essa abordagem, que lembra muito a chanchada, minimiza o retrato do Brasil arcaico e caricato dos anos 30, década em que Getúlio Vargas emerge como principal personagem da cena política. Projetado pela sua influente cadeia de jornais, Chatô acompanha esse movimento e cria essa dualidade com o novo líder revolucionário, o poder político e o poder da imprensa. O filme mostra que na festa da vitória de Getúlio, em 1930, uma falha impede que a bandeira nacional seja hasteada. Eis uma demonstração de que o país não funciona, apesar da pompa e da circunstância. Uns 85 anos depois, o governo da presidente Dilma Rousseff ameaça cancelar a eleição eletrônica do ano que vem por falta de verba. Há, sim, o Brasil se modernizou, mas retirada a aura da sofisticação, na cena seguinte, pode retroagir à Idade da Pedra Lascada. O filme tem seus méritos ao instituir uma espécie de julgamento do século nos mesmos moldes do que transcorre agora. 

Getúlio manipulava Chatô que por sua vez chantageava Getúlio, mas nada que se compare à criminosa confissão do influente senador que representava nas negociações escusas o partido da presidente. Quem assiste ao filme de Guilherme Fontes e procura estabelecer relações com a absurda situação política atual, chega à assustadora conclusão de que o país teve uma involução. Passou das prosaicas extrações de vantagens para uma minoria influente ao estado de usurpação profissional e contumaz dos recursos públicos. O Brasil, hoje, é um país quebrado que todo dia paga um mico no noticiário. Os últimos cortes do orçamento deixaram a presidente da República com a vergonhosa falta de verba até para viajar, ou para pagar as contas de água e luz. O Brasil do Getúlio e do Chateaubriand deixou marcas profundas na formação cultural, serviu como uma escola nefasta para uma elite egoísta que se lambuzou no poder.  Com o passar do tempo, aquela chantagem barata do tempo do Chatô cedeu lugar a quadrilhas sofisticadas que tomaram conta do Estado para roubar bilhões. 

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