O Brasil que queremos

O Brasil que queremos

Desde o começo do ano, o projeto da Rede Globo intitulado o “Brasil que eu quero” causou muita celeuma na imprensa, na internet e nas redes sociais. Por ser a maior e mais influente rede de TV do país, tudo o que a emissora do Jardim Botânico faz gera polêmica, reações imediatas de amor e de ódio profundo. De início, a campanha foi ironizada pela insistência em que os apresentadores dos telejornais lembravam a posição correta do celular para fazer a gravação do vídeo.

Controvérsias e embates ideológicos à parte, o fato que o lance político e de marketing da Rede Globo foi uma sacada inovadora e até se transformou num fato novo da importante eleição geral que se avizinha, em meio a uma grave crise, sem precedentes na história política recente do país. Seguindo uma nova tendência do mercado, os veículos de comunicação buscam a interação do leitor/telespectador/internauta. Pela primeira vez na televisão brasileira, houve esse espaço para manifestações políticas, mesmo que ela possa ser considerada pequena. O lançamento da campanha coincide com um momento de exaustão do modelo político atual, golpeado diariamente pela própria Rede Globo e por outros veículos de comunicação com infindáveis notícias de corrupção, desperdício de dinheiro, abandono de espaços públicos e farta distribuição de privilégios. Inicialmente, chegou-se até a discutir nas redes sociais um boicote, mas o eleitorado sabiamente não perdeu a oportunidade para mandar o seu recado. Mesmo que seja em escassos segundos da TV, os milhares de vídeos enviados à emissora compuseram um amplo e diversificado painel da realidade brasileira, desnudando os descalabros que campeiam o país de sul a norte, das mais recônditas localidades às grandes cidades. 

Para que sirva de reflexão para todos os interessados no processo político, a pauta apresentada pelos internautas aos candidatos a cargos públicos e à sociedade também se mostrou bastante ampla, com muitas questões específicas como a precariedade de uma estrada rural ou o abandono da quadra de esportes da escola. Também aparecem muitos anseios comuns com destaque para a corrupção, para os problemas da saúde e para a desvalorização de categorias importantes como os professores da rede primária. O “Brasil que eu quero” ainda apresentou um Brasil que os próprios brasileiros desconheciam. Com dimensão continental, o país possui 5.545 municípios, a grande maioria fora do mapa das notícias, especialmente os menores, localizados no sertão, nos caminhos pluviais da Amazônia ou até mesmo na periferia de estados importantes. Cidades como Tarauacá no Acre ou Tufilândia no Maranhão só são lembradas quando alguma tragédia ocorre por lá.

Não é preciso ser expert em política para saber que nenhum governo em quatro anos de mandato conseguirá responder convincentemente a essa gigantesca pauta de reivindicações apresentada nos vídeos, mas o recado está dado. As vozes se fizeram ouvir. Os brasileiros estão carregados de anseios justos, simples, sofisticados, complexos e difíceis de atender, tendo por base o que foi feito até aqui nesses 518 anos. Afinal, tem o Brasil que eu quero do slogan da campanha ou também há espaço para o Brasil que queremos? Numa aritmética simplista, o Brasil que desejamos deveria ser a soma de todos esses desejos individuais, mas na realidade da política não é assim que funciona. Embora os tópicos apresentados nos vídeos, de forma bem resumida, sejam consensuais, na prática o Brasil com os 207 milhões de cidadãos hoje é um país bastante diversificado, dividido entre conservadores e liberais, ideologias esfaceladas de direita, esquerda e centro, além de centenas de grupos que se organizam até de maneira violenta para manter interesses e privilégios corporativistas. Assim, desconfie dos candidatos que defendem determinados grupos. Ele pode deixar o interesse do Brasil de lado. 

Embora o combate à corrupção possa trazer ganhos consideráveis como demostrou a Lava Jato, não há recursos suficientes para resolver todos os problemas e atender todas as demandas. Governar significa definir prioridades. No entendimento tácito da política, com aval da maioria, em tese, o poder politico deveria ser direcionado para atender às reinvindicações dos mais necessitados, fazendo com que o estado interfira na redução dos antagonismos sociais. Sob essa ótica, os vídeos foram importantes, pois apontaram de maneira objetiva onde estão as maiores carências do país. Qualquer político que será candidato, ao parlamento ou ao executivo, minimamente interessado em resolver os problemas do país, já tem um bom ponto de partida. Basta ouvir os anseios da fonte, diretamente, pois se for eleito, saberá exatamente qual é o Brasil idealizado pelos brasileiros em poucos segundos. 

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