O caldo das notícias

O caldo das notícias

Mesmo para quem acompanha o noticiário de perto, os fatos no Brasil se atropelam numa velocidade que impressiona, provocando uma verdadeira avalanche de informações em que se misturam no mesmo caldo acontecimentos relevantes e outros que podem ser classificados de secundários e grotescos. Até mesmo um desastre gigantesco como o rompimento da barragem de Brumadinho, ocorrido há menos de dois meses, rapidamente vira notícia velha para dar lugar à tragédia da vez. O número de mortos oficiais chegou a 200 e os desaparecidos estimados em 108. Sem os olhos da opinião e da imprensa por perto, a luta das famílias atingidas perde força, fica confinada às salas de reuniões e aos tribunais. Uma empresa poderosa como a Vale, com bons advogados, pode arrastar processos por anos e minimizar os prejuízos ganhando tempo para vencer pelo cansaço, ou no famoso decurso de prazo. 

Idem para os meninos mortos no Ninho do Urubu, o assustador nome do centro de treinamento de Flamengo. Menos de dois meses depois do incêndio que matou 10 garotos, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e o vice-geral, Rodrigo Dunshee, saíram de férias no momento em que as indenizações e o amparo às famílias dos atletas mortos se encaminham para um longo processo litigioso. Também estava de férias por uma semana o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), quando a mais recente tragédia brasileira deixou um saldo de 12 mortos, vítimas de alagamentos e deslizamentos de terras. O prefeito interino, o presidente da Câmara de Vereadores, Eduardo Tuma (PSDB), não pestanejou para culpar São Pedro pela enchente. Não se pode negar o direito do prefeito de tirar férias e tampouco a intensidade das chuvas. O problema das enchentes em São Paulo é tão antigo quanto à fundação da cidade. Sucessivos governos passaram sem impedir que as inundações castiguem de forma dramática os paulistanos.

Além do prejuízo financeiro dos carros boiando, vidas se perderam e para isso não há mais reparo. Para não ingressar no bloco do descaso formado pelos dirigentes da Vale e do Flamengo, Bruno Covas reassumiu o cargo e renunciou, momentaneamente, em sinal de respeito à dor das famílias, ao seu pendor por viagens.  Prestes a completar um ano de mandato, o prefeito ausentou-se da cidade por 38 dias. Desde que entrou na Prefeitura, inicialmente como vice-prefeito do tucano João Doria, em janeiro de 2017, viajou por quase 100 dias. Ao reassumir, Bruno Covas fez um balanço demonstrando que as tragédias rondam o cotidiano da maior cidade do Brasil. “No ano passado, em maio, caiu um prédio antigo no centro. Em junho, a cidade ficou sem gasolina. Em novembro, caiu o viaduto”, relembrou Covas, reconhecendo a impotência da Prefeitura para enfrentar calamidades. 

Na área governamental, os assuntos relevantes se misturam aos secundários e até escatológicos. Nos últimos dias, a discussão da reforma da previdência perdeu espaço para o tweet grotesco do presidente, dando mais uma embaralhada no noticiário. As generalizações inocentes ou maldosas não contribuem para a solução de nenhum problema. De um lado, rodam as notícias falsas, os conflitos desnecessários, o complexo de perseguição e os comentários que objetivam desviar a atenção da opinião pública dos temas relevantes que exigem a atenção dos governantes. Neste começo do ano, a recuperação econômica patina e os indicadores para saída da crise não têm sido tão alentadores como outrora. Os quatro anos da longa e duradoura recessão (2015 a 2018) exigem respostas mais rápidas da administração pública que não pode gastar tempo e energias com generalizações equivocadas e polêmicas desnecessárias. 

Em meio à maré de más notícias, depois de um ano, a Polícia Civil do Rio de Janeiro apresentou os acusados de matar Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Um passo importante foi dado. Falta agora saber quem mandou matar a vereadora. No atual contexto, ocorre no Brasil uma batalha política e jurídica que se estende à segurança pública. Esse confronto que testa os limites das instituições acontece em dois fronts: em campo aberto — caso do assassinato da vereadora — e nos bastidores do poder. Prender os assassinos da vereadora significa uma vitória contra aqueles que querem derrubar a democracia e a ordem política com objetivo de vencer pela força das armas e das agressões. Falta ainda descobrir quem comanda ou está vinculado às milícias do Rio de Janeiro. 

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