O caminho da simplicidade

O caminho da simplicidade

O cardeal Jorge Mário Bergoglio levava uma vida relativamente tranquila lá em Buenos Aires tomando mate, comendo doce de leite e torcendo pelo San Lorenzo. Um dia pegou um avião e foi para um conclave em Roma. Virou papa e ainda não pode voltar à terra Natal. Certamente, por isso, quis um encontro com os conterrâneos no Rio de Janeiro, coisa de argentino apegado à sua gente. Em mais de 1.200 anos, é o primeiro papa jesuíta. Bergoglio virou Franscisco e herdou uma Igreja em crise, assolada por escândalos econômicos, envolta em acusações de pedofilia e disputas de poder que enfraquecem a evangelização. Seu sucessor renunciou quando viu que não tinha mais força, saúde e idade para recolocar a Igreja no caminho da fé. 

Foi com esta conjuntura adversa que o primeiro papa latino-americano veio ao Brasil para iniciar sua prelazia. A crise do catolicismo brasileiro não é muito diferente do que ocorre no resto do mundo. Por aqui, as sacristias das igrejas também foram sacudidas pelas denúncias de pedofilia e os sermões andaram distanciados das demandas do povo. Por outro lado, há no país uma efervescência social e política instigada por uma juventude inquieta que reivindica tudo. A sociedade também não aceita mais, pacificamente, os valores que antes eram absolutos. O aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o uso da camisinha colocaram dogmas seculares em xeque. Tudo agora pode ser questionado, até mesmo os gastos com a vinda do papa, estimados em torno de R$ 350 milhões, cerca de R$ 120 milhões foram pagos pela União. Antes, isso era blasfêmia, mas agora dá para frisar que, desde 1890, o Brasil é um país laico com a separação entre a Igreja e o Estado. Assim, o contribuinte de outras religiões não tem porque pagar as despesas de uma jornada católica.

No vácuo deixado pelas mudanças, outras religiões se expandiram. Segundo uma pesquisa publicada pelo Datafolha, realizada no começo de junho, o Brasil ainda é um país de católicos, mas a maioria que já foi hegemônica em 1994 (75%), hoje se aproxima de um empate técnico com as demais religiões. Os que se declaram seguidores da Igreja fundada por Pedro representam 57%. Quais seriam as razões desta suposta “crise” no catolicismo brasileiro? Talvez a pessoa mais indicada para responder  seja o próprio papa e sua vinda ao Brasil uma tentativa de resposta. Olhando para a história antiga e a atual é possível encontrar salmos que expliquem a dispersão dos fiéis em um mundo cada vez mais carente de espiritualidade. A primeira missa foi celebrada no Brasil, em 1500, pelo frade Henrique de Coimbra, mas inexplicavelmente os dois primeiros santos brasileiros foram canonizados mais de 500 anos depois: em 2002, a Madre Paulina e, em 2007, o Frei Galvão. Qual a razão de tanta demora se os santos são uma das principais bases de sustentação do catolicismo? Na história recente, Dom Helder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns eram bispos identificados e solidários com as lutas do povo. Vale ainda um registro histórico para Dom Pedro Casaldáliga, o corajoso bispo da perigosa prelazia de São Félix do Araguaia. Hoje, sem emitir aqui um juízo final, o perfil de atuação mudou bastante. Também há uma crise de referências. Os maiores expoentes da Igreja Católica são os padres cantores, os pop stars Marcelo Rossi e Fábio de Mello.

Os católicos já não vão tanto à missa, não estão muito dispostos a seguir piamente as escrituras e são mais tolerantes que as demais religiões em relação à flexibilização dos costumes. A fé está cada vez mais associada à devoção aos santos do que propriamente aos rituais da Igreja. As missas não andam tão cheias, mas o Santuário de  Aparecida recebe um gigantesco rebanho de 10 milhões de fiéis por ano. Essa nova vertente da fé tem muito santo e pouco padre.  Em quase todos os gestos da vinda ao Brasil, a mensagem de Francisco tem sido muito clara. O papa abdicou de todas as regalias, andou em um carro de passeio normal e no gesto mais simbólico carregou a própria mala de viagem. O santo padre está fazendo uma força danada para dizer que a Igreja Católica, os fiéis e a humanidade precisam retomar, urgentemente, o singelo caminho da simplicidade.

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