
O clamor da professora
Pelo teor oposto ao discurso laudatório, o pronunciamento eloquente e contundente da corajosa professora do Rio Grande do Norte, Amanda Gurgel, em uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado, “bombou” no YouTube. A esta hora, o falecido educador Paulo Freire está recompensado com o libertador discurso da professora que, em um rápido pronunciamento de oito minutos, deu voz aos oprimidos e desmascarou as falácias da educação no Rio Grande do Norte e, por tabela, no Brasil inteiro.
A professora iniciou o desabafo com um argumento irrefutável, os três números do seu salário-base: nove, três e zero, ou R$ 930,00. Com fulgor autêntico, perguntou se o país espera que ela seja a redentora da educação nacional, capaz de formar jovens que insiram o Brasil no seleto mundo dos países desenvolvidos, com esse salário, mais um giz e um ultrapassado quadro-negro.
Embora sucessivos governos de todas as esferas reiterem que a educação é prioridade, na semana passada, a precariedade da educação brasileira também foi denunciada pela Rede Globo, que, em uma série de reportagens de sul a norte, exibiu no Jornal Nacional as abissais diferenças entre escolas paupérrimas e as que dotadas de recursos conseguem excelentes resultados.
Para agravar esse quadro desalentador da educação brasileira, a imprensa noticiou que o Ministério da Educação comprou e distribuiu, para 4.236 mil escolas públicas, um livro que “ensina o aluno a falar errado” e que não há nenhum problema em dizer “nós pega o peixe”. Como diz o sarcástico narrador de futebol, do Sport TV, Milton Leite: que beleza!! A esse verdadeiro escárnio da gramática nacional seguiu-se um fleumático debate entre doutos educadores sobre a validade de tão edificante cartilha. As concessões demagógicas em nome de um pseudodemocratismo educacional criaram a legião de analfabetos funcionais que hoje atinge largos contingentes de jovens de 9 a 14 anos que não resistem a um tradicional ditado com palavras que contenham os temidos “s”, “ss” ou o aterrorizante “ç”. Anos atrás, o estudante que se prezava não errava nem a grafia da planta açucena.
Deixando o Rio Grande do Norte para os potiguaras, na parte que nos toca, é preciso aproveitar esses ganchos para reavaliar a educação municipal e a estadual. Nesse sentido, aparece em boa hora o questionamento feito pela regional de Ribeirão do Centro das Indústrias de São Paulo (Ciesp) para discutir a melhoria da qualidade da educação pública municipal, a começar pela nomeação dos diretores das escolas. Hoje, muitas vezes, essa escolha é feita por critérios políticos em detrimento do currículo e de outras habilidades. Esse, sem dúvida, é um bom começo: apartar a escola pública das nefastas interferências políticas.
O diretor de uma escola é fundamental para o desempenho de uma instituição de ensino e suas funções não podem se confundir com as de um cabo eleitoral. Ainda chegaremos ao dia em que a eleição direta para diretor com a participação da comunidade escolar não soará como algo fora de propósito. Quando essa realidade mudar, a educação deixará de depender de atos de heroismo diários presentes na dura rotina da destemida professora do Rio Grande do Norte.