O coelho fugiu da cartola

O coelho fugiu da cartola

Diante de vigor dos protestos, o governo acuado precisava de um coelho para tirar da cartola. A primeira proposta que apareceu foi a realização de um plebiscito que esta semana foi sepultado pela Câmara dos Deputados. Além de não haver tempo hábil para organizar uma consulta desta magnitude, os nobres parlamentares reclamaram que foram atropelados pelo Executivo. O que fazer? E agora? Qual a resposta que o governo dará aos protestos de rua? Os manifestantes, que podem voltar à ofensiva a qualquer momento, exigem mudanças rápidas. Paquidérmica, a máquina pública não está preparada para isso. No final das contas, o Congresso Nacional que nunca mexeu uma palha para fazer as reformas que o país precisa “garante” que agora vai. O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, o mesmo que passeia de jatinho à custa do erário, promete realizar audiências públicas para ouvir o povo. Quem precisa agilizar as mudanças são os mesmos que há semanas barravam qualquer tipo de reforma. Enquanto isso, as duas casas legislativas nacionais votam projetos de interesse popular até que os ânimos esfriem. Anotem aí. João Santana, o marqueteiro da Dilma, prevê que em dezembro, a presidente recuperará seu ibope.

A estratégia não deu certo e o país permanece com o impasse. Em vez de discutir uma agenda de reformas econômicas, o governo Dilma Rousseff criou uma ilha de fantasia, uma peça política chamada plebiscito para desviar a atenção da opinião pública nacional. Os próprios governistas reconheciam que não havia prazo razoável para organizar um plebiscito sério, com tempo suficiente para que o eleitorado pudesse digerir propostas como o voto distrital misto e fazer com que a reforma política fosse aplicada no ano que vem. Como bem disse um ex-ministro, a Justiça Eleitoral, guardiã da democracia, não poderia participar dessa farsa. Mesmo que o plebiscito fosse aprovado a toque de caixa, teoricamente, a mudança só viria com a eleição de parlamentares “comprometidos” em solucionar as dificuldades de transporte, saúde, educação e segurança que o povo enfrenta.

Depois de eleitos, os detentores do poder não suportam negociar grandes questões de natureza econômica ou política. Quando são muito pressionados, abrem mão de algum item do varejo para continuar mandando no atacado. Até aceitam dar alguns centavos de desconto na tarifa do transporte, mas não querem colocar à mesa de debate a carga tributária de 35% do PIB, a melhoria dos serviços públicos e a distribuição injusta da arrecadação que sufoca os estados e os municípios. Ao contrário do que diz o artigo primeiro da Constituição, na prática, o poder não emana do povo, a manipulação faz com que esse poder seja exercido em seu nome. O poder emana do dinheiro que escorre do Estado para comprar aliados, fica nas mãos dos que transformam a administração em balcão de negócios.

Portanto, o poder político deriva do poder econômico da União, do Estado centralizador e ávido para sugar recursos. Na agenda artificial colocada em pauta estavam o plebiscito, o referendo, a legislação eleitoral, o voto secreto, a lei da corrupção e outras questões importantes, mas que na sua essência não mexem na distribuição de renda, na melhoria da qualidade dos empregos, na eficiência da gestão pública ou nas prioridades de governo, materializadas no antagonismo gigante dos estádios modernosos com cobertura, grama de primeira, ar condicionado, contra hospitais detonados, com falta de leitos e sem esparadrapo. O governo Dilma Rousseff tem 39 ministérios, que custam quase R$ 60 bilhões, por ano, aos cofres públicos. Os bois são as discussões de natureza econômica. O plebiscito, o referendo e a reforma política são a carroça. A longo prazo, as mudanças estruturais podem ser consequência da reforma política, mas esse não é caminho que a urgência das ruas exige. Neste momento, o plebiscito não passava de uma cortiça de fumaça. Para tudo dar certo, o pétreo princípio constitucional da anualidade teria que ser violentado. Por esse caminho, o máximo que o país conseguiria seria retirar a poeira de cima de móveis velhos e carcomidos. A discussão, que de fato interessa, ainda não começou.

Murilo Pinheiro
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