O compliance sem o jeitinho

O compliance sem o jeitinho

Impulsionado pelos recursos da tecnologia, o mundo corporativo muda constantemente em busca de dois grandes objetivos: a lucratividade e a segurança. Na antítese simétrica da ameaça e da oportunidade, a mesma tecnologia que oferece tantas possibilidades também expõe a organização a um risco elevado perante o consumidor e a opinião pública. Assim, se a busca incessante pelo lucro continua sendo premissa fundamental do sistema, por outro lado, os episódios recentes, a prisão de eminentes autoridades e de grandes empresários, derrubaram a máxima de que esse resultado pode ser alcançado a qualquer preço. A corrupção, por exemplo, sempre foi crime no Brasil, mas até agora só as multinacionais levavam isso a sério. 

As novidades que se espalham rapidamente pelo mundo costumam sair dos Estados Unidos, a matriz do sistema capitalista. Vem de lá a expressão que tem um significado de fácil entendimento, tanto para o mais rico empresário quanto para o cidadão comum. Ao pé da letra, o compliance  se traduz no cumprimento da lei. A despeito da imagem negativa que o país tem de si mesmo, o Brasil ingressou em uma nova fase política e empresarial desencadeada a partir da operação Lava Jato, que prendeu e processou dezenas de pessoas envolvidas em irregularidades. Numa leitura otimista, a ética venceu um round contra a corrupção e a impunidade sofreu um golpe duro. Hoje, nobres integrantes da elite correm um risco iminente de serem presos e condenados pela transgressão do compliance, ferramenta de gestão que na sua versão global teve o conceito ampliado. Na obsessão pela redução do risco, não basta mais cumprir a lei e não se envolver diretamente em fraudes. As empresas precisam ainda criar controles e programas para reduzir o risco de corrupção e ficar longe da responsabilização civil e criminal. 

O mercado está cheio de benchmarkings negativos. As novas circunstâncias políticas e econômicas impõem uma nova postura que deve começar pelas grandes organizações empresariais até descer a hierarquia e alcançar o cidadão comum. No Brasil, impera uma cultura permissiva que  esconde as pequenas ilegalidades atrás do famoso jeitinho. As propinas públicas e alheias não são toleradas, mas no universo corporativo sobram confissões informais sobre frequentes casos de corrupção que corroem a ética brasileira. Pequenas, médias e grandes empresas possuem um setor de compras onde quem toma a decisão recebe brindes, prêmios e recompensas pela rentável fidelidade. Para entrar em mercados competitivos ou serem exibidos com destaque em uma prateleira, produtos pagam um pedágio naturalmente embutido na negociação. Muitos negócios são fechados com base em doações compulsórias. Flagrado cometendo alguma irregularidade no trânsito, o cidadão comum cresce e sente-se no direito de “negociar” com o guarda a liberação da multa e da penalidade. Existe um número grande de pessoas que considera normal ocupar uma vaga reservada para deficientes “por um minutinho”. Cada vez que um caminhão tomba em uma rodovia brasileira, “pessoas de bem” entendem que não há nada de errado em saquear a carga. Se as mercadorias em oferta forem produtos de furto e roubo, dono é quem pega primeiro.

Nos últimos anos, os casos públicos de corrupção foram exaustivamente denunciados pela imprensa, no entanto, os ilícitos rotineiros encrustados na iniciativa privada permanecem debaixo do tapete. Prevalece uma cultura reativa. Embora aparentemente estejam em campos diferentes, na prática, as duas concorrem para a formação de uma tolerância degradante, um caldo grosso que criou raízes profundas. Atrás de um grande corrupto sempre há uma legião de corruptores. Tanto na esfera pública quanto privada, o custo da ilegalidade gera sempre a mesma conta: entra no cálculo do preço final a ser pago pelo consumidor. A experiência em curso comprovou que ambientes negociais públicos e privados corrompidos, sem uma cultura e uma prática de observância aos princípios da lei, trazem graves consequências à sociedade. O duelo entre a corrupção e a integridade envolve as empresas, o governo e o cidadão. O futuro desse compliance mais abrangente depende da consolidação de uma nova postura que elimine as velhas práticas alicerçadas na condescendência com atos ilegais. A integridade não é o caminho mais fácil, mas sempre é a melhor escolha. 

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