
O custo dos benefícios
A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita os gastos públicos por 20 anos à inflação dos 12 meses anteriores é uma das discussões mais importantes que o país começa a fazer. A implantação dessa proposta equivale à Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, que estabeleceu parâmetros para os gastos desenfreados dos governadores, prefeitos e presidente da República que vigoravam até então. Para o cidadão que acompanha a política à distância, pode parecer mais uma entre os milhares de projetos que tramitam no Congresso Nacional. Embora a pauta da Câmara dos Deputados e do Senado seja eclética, nulidades enormes se misturam com assuntos relevantes, a PEC que limita os gastos públicos será um doloroso e necessário marco na vida política e institucional brasileira.
Obviamente, que um tema de tamanha relevância está longe de ser consensual, suscita controvérsias e faz com que aflore a discussão política sobre o papel do Estado e o tipo de sociedade que o país precisa construir. Duas tendências antagônicas sempre polarizam esse debate: o estado liberal e o intervencionista. Nesse ponto da discussão, o cidadão comum, aquele que trabalha e cumpre suas obrigações, não pode ficar alheio e precisa voltar a sua atenção para o que está sendo decidido para tentar interferir através de seus representantes. Sem exceção, todos aqueles que pensam que esse é um debate inócuo, de questões distantes, desprovidas de maior interesse, também sentem os efeitos no seu dia a dia e percebem a crescente deterioração dos serviços públicos. A crise econômica escancarou a incapacidade do Estado brasileiro para prover inúmeros serviços de forma satisfatória, tais como saúde, educação, transporte e segurança pública. A precariedade de serviços causa um número de crescente de mortes em órgãos de saúde e em rodovias intransitáveis.
A recessão que o país enfrenta e os inúmeros casos de corrupção denunciados, diariamente, pela imprensa confundem o entendimento sobre a definição do papel do Estado. As crises econômicas passam e a corrupção sempre foi um problema grave e presente na história mundial. A realidade nacional não é muito diferente. Os atuais acontecimentos demonstram que esse é um problema crucial, mas o Brasil hoje talvez seja o único país do mundo onde está em curso a maior ofensiva contra a corrupção. Na história recente, dois presidentes perderam o cargo por isso. Ainda há uma extensa lista de políticos e de empresários influentes que estão presos ou sendo processados. Certamente, daqui a alguns anos, quando essa depuração terminar, a corrupção não sangrará tanto os recursos públicos. Tomara que num futuro próximo esse se torne um problema de menor envergadura. Quando essa fumaça escura se dissipar, aí então, o cidadão e o eleitor poderão ver com clareza qual é o real tamanho do Estado brasileiro e qual seria o seu peso ideal.
Mesmo que os mecanismos de controle e a fiscalização diminuam o grau de corrupção, ainda assim o Estado terá que se readequar para atender às necessidades do cidadão, cobrando impostos e oferecendo serviços públicos de qualidade.
Por incrível que pareça, essa discussão demorou séculos para começar. A PEC que limita os gastos públicos, debatida em pleno Século XXI, tenta impor ao Estado, com fortes resistências corporativas, as mesmas regras que as zelosas famílias brasileiras observam há muito tempo. Para alcançar o equilíbrio financeiro, há que se cumprir uma regra bastante elementar e conhecida por todo o cidadão que preza pela sua reputação. Isso envolve o nome e o crédito limpo na praça: ninguém pode gastar aquilo que não tem, mesmo que para isso precise abrir mão de algum prazer ou benefício.
A definição do tamanho do Estado será essencial para estabelecer a sua atuação em várias áreas em que seu papel tornou-se fundamental para o equilíbrio social. A Saúde, a Educação, os Transportes e a Segurança Pública são algumas áreas em que a interferência do Estado é determinante, mas a Previdência Social traz à tona a complexidade dessa equação. Todo mundo gostaria de trabalhar pouco, se aposentar cedo e ganhar muito. Os indicadores atuais demonstram que esta conta não fecha mais e daqui para frente teremos que repensar as partidas e contrapartidas para saber o quanto estamos dispostos a pagar para que o Estado nos ofereça, na mesma proporção, tudo aquilo a que desejamos.