O didatismo do não

O didatismo do não

O ano no Brasil começa depois do Carnaval. Assim como tantas outras frases feitas, essa máxima também caiu por terra, pelo menos no Brasil real, que trabalha e que não pode mais perder tempo. Muitas pessoas não largam o batente mesmo nessa época do ano.

Outras tantas aproveitam os dias de folia para ganhar uns trocados. É por isso que uma espiga de milho sofre uma alta terrível e é oferecida no concorrido mercado das areias da praia a R$ 8,00. A porção de camarão vai às alturas e passa fácil dos R$ 50,00. Os ambulantes têm a sua justificativa na ponta da língua: a maré das chuvas atrapalhou os negócios e é preciso recuperar os dias perdidos e ainda fazer um caixa para enfrentar os desafios do ano que está começando. 

Na verdade, há de fato um Brasil que nunca para, formado em sua imensa maioria por trabalhadores, prestadores de serviço, pequenas e grandes empresas. Um mundo bem distante dos prédios e dos gabinetes refrigerados de Brasília.  Gente que acorda cedo, quando o Sol ainda não nasceu,  para trabalhar duro.  Em três anos de recessão consecutivos, de 2015 a 2017, o Brasil engatou marcha ré e amargou uma queda acumulada no PIB de quase 10%. Em 2018, a economia ficou praticamente estagnada com um crescimento pífio de 1%. A greve dos caminhoneiros foi uma pisada no freio. Na situação atual, a recuperação econômica precisa ser mais robusta. 

Os desafios pós-Carnaval são muitos. Os problemas brasileiros não se resumem à reforma da Previdência. Tem também os 13 milhões de desempregados, os juros do crédito que não baixam, a carga tributária pesada demais e a precariedade dos serviços públicos, especialmente da saúde e da educação.

O governo de Jair Bolsonaro ainda não completou os 100 dias que o fair play da politica concede às novas administrações. Contudo, a lua de mel com a maior parte do eleitorado não dura para sempre como num conto de fadas. 

Algumas constatações já podem ser adiantadas. Ricardo Velez Rodrigues não reúne condições para ocupar o cargo de ministro da Educação. Enquanto estiver na pasta, a cambaleante educação brasileira andará para trás, na contramão da história. Por outro lado, aproximadamente 1/3 do ministério foi ocupado por militares. 

Embora essas participações individuais não possam ser entendidas como representativas  das forças armadas, na prática, essa será uma experiência democrática inusitada, que vai possibilitar que os militares demonstrem o preparo ou o despreparo para as funções públicas. 

Na prática, o Congresso brasileiro só funciona mesmo depois da folia. O Carnaval que passou também deixou algumas lições no varejo. Um país não muda só de cima para baixo, mas também de baixo para cima. Na questão dos assédios, a folia demonstrou que muita gente não conhece o significado da palavra não. Ainda são necessárias campanhas para explicar que a mulher que não quer nenhum contato não pode ser importunada. É o didatismo redundante do não. No caso do ator Fábio Assunção, não se pode tripudiar em cima da dependência química alheia. Nem tudo deveria virar meme ou piada na internet. 

Para que os desafios sejam superados, as duas pontas precisam caminhar juntas. O país precisa de mudanças estruturais e as pessoas precisam melhorar o grau de conscientização. Há que se  ter mais humanidade, espírito solidário e pré-disposição para colaborar. Sem esse senso de unidade, nenhum país consegue grandes transformações. O Brasil precisa de um bom ano. 

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