
O eixo da mudança
À medida que o tempo passa, as administrações municipais estão perdendo a capacidade de resolver os problemas das cidades. Esse processo ocorre em Ribeirão Preto e em muitas cidades do país. Os recursos estão ficando escassos e as soluções para os problemas urbanos, caso específico do centro de Ribeirão Preto, arrastam-se por décadas. Com isso, o espaço público se deteriora e as dificuldades se acumulam, demandando investimentos cada vez maiores. Paira no ar, uma grande questão a ser respondida: a deterioração do centro da cidade é um problema somente do poder público, tem a ver com todos os cidadãos ou não é responsabilidade de ninguém? Quem olha para o desolador cenário do centro de Ribeirão Preto, pode achar que se trata de uma causa perdida, no entanto, um conjunto de pequenas iniciativas pode reverter esse processo. Isso já ocorreu em outras cidades do país e do exterior.
Em Ribeirão Preto, o surgimento dos shopping centers, a partir do começo dos anos 80, marcou o início do processo de esvaziamento do centro de Ribeirão Preto. Não que houvesse uma correlação obrigatória entre os dois fatos, mas enquanto os shoppings se modernizaram constantemente, o centro permaneceu estático, sem planejamento e ações de valorização. O desinteresse crescente dos consumidores provocou uma crise no comércio. O centro, que outrora era o destino obrigatório dos ribeirãopretanos e dos visitantes, perdeu a hegemonia para outras áreas da cidade e mergulhou numa espécie de ostracismo, principalmente durante à noite. Quando as portas do comércio se fecham por volta das 18h, a vida no centro praticamente morre.
Administrações municipais dos últimos 40 anos ensaiaram várias tentativas de resgate, mas nenhuma delas vingou por completo. Desde que o processo de decadência se intensificou, vários projetos e estudos foram feitos, belos planejamentos, criados por arquitetos e urbanistas famosos, foram apresentados, mas nenhum deles saiu do papel. O centro continuou no calvário do abandono com problemas que se acumulam há décadas: falta de segurança, sujeira, congestionamento no trânsito, a destruição do patrimônio histórico, a degradação e a escassez de áreas verdes, a falta de acessibilidade e de locais para estacionar, além da deterioração do patrimônio público. A região da “baixada” permanece abandonada, esquecida, um cartão postal que ninguém quer mostrar.
A falta de planejamento e de recursos do poder público soma-se a outro componente de gravidade equivalente: sem consciência cidadã, uma parcela expressiva da sociedade destrói o seu próprio patrimônio. Essa falta de responsabilidade social impede até que algumas questões elementares sejam resolvidas. O centro não tem banheiro público em condições de ser usado, mas se tivesse certamente seria destruído em pouco tempo, a menos que o espaço ficasse protegido por seguranças durante 24 horas por dia. O calçadão, que está demorando três anos para ficar pronto, ainda nem foi totalmente concluído, mas o processo de destruição já começou. Os chicletes e a sujeira vão se impregnando, o mobiliário urbano vira alvo de vandalismo e as praças são majoritariamente de propriedade dos vândalos e dos pichadores. O cidadão comum não tem coragem de dar uma simples volta na praça.
Sem o vínculo sólido entre o morador e a sua cidade, o patrimônio público precisa ser recuperado infinitas vezes, mas nem tudo está perdido. A instalação de câmeras de segurança, numa parceria entre a iniciativa privada e o poder público, tornou o centro um espaço seguro com baixos índices de criminalidade. Esse pode ser o caminho para resolver outros problemas. Há dois anos, um grupo de pesquisadores, que acredita na requalificação do centro, formou o Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (IPCCIC), uma entidade, sem vínculo governamental, que apresenta propostas e alternativas para recuperar a área central da cidade. Obviamente que o poder público, a iniciativa privada e as entidades representativas podem ajudar muito, mas o Instituto parte do pressuposto de que a grande transformação que precisa ocorrer está na mudança do comportamento do próprio morador. Sem essa alteração, todos os recursos investidos serão insuficientes para mudar a realidade atual. Trata-se de uma metodologia bastante simples que já funcionou em outras cidades. É como se no centro dessa controvérsia estivessem duas correntes conflitantes: a da construção e a da destruição. Assim, quando um prédio antigo, uma praça, uma rua não recebe os devidos cuidados, isso contamina todo o espaço em volta. É como se a destruição e o abandono chamassem a destruição e o abandono. A corrente da virtude também pode ser contagiosa. Se alguém recupera um prédio antigo, essa medida valoriza o imóvel do vizinho. Se uma rua for bem cuidada, o espaço fica apto a receber um novo estabelecimento comercial.
Essa edição especial sobre o centro da cidade marca os 29 anos de circulação da Revide em Ribeirão Preto. A revista cresceu e fez história descrevendo a realidade da cidade, principalmente a do centro. Essa vinculação pode ser traduzida pelo slogan “uma revista com a cara de Ribeirão Preto”. O centro também é a cara da cidade. Daí a importância de reacender o debate sobre a mais importante área do município que tem um enorme valor histórico, artístico e econômico. As abrangentes reportagens apresentadas nesta edição mostram as várias caras do centro e seus diversos aspectos. Certamente que a foto atual não deixa satisfeitos os próprios moradores do centro e de outras regiões da cidade. A reforma do calçadão, em fase de conclusão, pode ser o ponto de partida para uma grande transformação que deve abranger a melhoria do trânsito, a recuperação das praças, a preservação dos prédios antigos e a valorização dos espaços culturais.
A edição especial comemorativa traz um conjunto de propostas diversas, sem distinção partidária, política ou governamental. São sugestões de pesquisadores, técnicos, especialistas, empresários, cidadãos e entidades que de alguma forma estão envolvidos com a solução dos problemas do centro. No entanto, há um consenso entre as dezenas de pessoas que foram entrevistadas nesta edição. De nada adianta terceirizar essa responsabilidade. O cidadão sempre será o eixo central da mudança.