O Estado que desaba

O Estado que desaba

As notícias no Brasil nunca estiveram tão quentes. Num dia, os médicos cubanos deixam o país. No outro, tem uma onda de prisões logo pela manhã. Idas e vindas sobre a privatização da gigante Petrobrás. A Justiça proíbe a Globo de divulgar informações sobre a morte da vereadora Marielle Franco. A emissora se defende dizendo que poderosas forças ocultas impedem o avanço das investigações. O novo governo vai anunciando seus ministros e a imprensa vai atrás para verificar se os indicados têm alguma culpa no cartório. O país precisa ser passado a limpo. 

No meio dessa avalanche de más notícias, uma das mais graves, embora sem tanta repercussão, foi a divulgação feita pelo Tesouro Nacional sobre a penúria fiscal dos estados que juntos devem R$ 790 bilhões. Dos 27 estados brasileiros, mais da metade deles (14) estourou o limite de gastos previsto em lei só com a folha de pagamento de pessoal. Pela lei de responsabilidade fiscal, criada em 2000, a despesa com funcionários não pode passar dos 60%. A legislação emite alguns alertas quando o comprometimento se aproxima disso.  O Espírito Santo, um dos menores, ostenta o título de estado em melhor situação. Na rabeira do balanço fiscal, estão Minas Gerais (gasta 79% com o funcionalismo), Rio de Janeiro (compromete 69%) e Rio Grande do Sul (destina 65%).  Em apenas um ano, essas despesas dos estados cresceram em R$ 25 bilhões. Embora não tenha estourado o limite de gastos com o funcionalismo e ainda possua uma situação equilibrada, São Paulo possui a maior dívida do país, R$ 290 milhões. A luz amarela acendeu para o Estado. 

Esse desequilíbrio das contas dos três níveis da administração pública (União, estados e municípios) está interferindo cada vez mais na qualidade dos serviços que o Estado presta ou deveria prestar aos cidadãos. A perda crescente da capacidade de investir, decorrente do comprometimento da receita para a manutenção da própria máquina, faz com que serviços essenciais sejam relegados, colocando a vida das pessoas em risco. Essa situação fica escancarada quando o noticiário mostra que o viaduto de uma das mais importantes avenidas da capital paulista simplesmente desabou. A Prefeitura de São Paulo informou que o viaduto da Marginal Pinheiros, por onde passam 180 mil carros por dia, nem estava entre os que oferecem mais riscos. Sustentou que esse foi um problema “pontual”. Entretanto, várias reportagens mostraram que boa parte dos 185 viadutos e pontes de São Paulo está com as estruturas comprometidas pela falta de manutenção. 

A analogia pode ser estendida para os demais estados e as cidades brasileiras, pois o desabamento que houve em São Paulo também pode ocorrer na sua cidade.  Em Ribeirão Preto, por exemplo, em novembro de 2012, uma ponte caiu na Francisco Junqueira e por sorte ninguém se feriu.

Além da segurança, dos problemas de congestionamento, quem viaja tem um motivo a mais para  se preocupar. Qual o estado de conservação das pontes e estradas? Será que estão recebendo a manutenção adequada? Muito provavelmente, não. Oficialmente, as eleições terminaram sem que temas importantes tenham sido discutidos durante a campanha eleitoral. Com frequência, os debates giram em torno de questões polêmicas como o aborto, a maioridade penal ou as privatizações. No entanto, os partidos políticos, os órgãos de representação e os governantes precisam retomar o debate sobre o papel do Estado, antes que os pilares que sustentam a sociedade desabem. Embora ainda não tenha apresentado esse projeto com clareza, o governo que assumirá no ano que vem dá sinais de que tem algumas propostas. Esse tema deveria ser discutido de forma mais aberta.  Isso evitaria surpresas lá na frente e até mesmo que o pavimento da rodovia desapareça quando você estiver transitando por ela.  Quando a sua cidade, o seu estado e o seu país chegam ao estado de insolvência, o cidadão comum torna-se um devedor solidário que arca com o alto preço das consequências.  

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