
O estrago das minorias
Por séculos, a humanidade se preocupou em defender o direito das minorias que, pelas mais diversas razões, foram subjugadas ao longo da história, seja por discriminação racial, étnica, sexual e socioeconômica. Na era moderna, no entanto, não dá para afirmar que os papeis se inverteram, pois ainda permanecem muito vivas as agressões e as discriminações que eram comuns na fase medieval da humanidade. Mulheres continuam sendo espancadas até a morte e negros continuam confinados a viver em situação de desigualdade econômica. Uma parcela expressiva da sociedade ainda luta arduamente para reafirmar a sua opção sexual sem discriminação.
No meio de tantas mudanças, algumas minorias organizadas conseguem impor suas selvagerias a milhões de pessoas. Mundo afora, os casos mais rotineiros são as torcidas organizadas dos times de futebol. O episódio mais recente, de maior repercussão, aconteceu na final da Taça Libertadores deste ano entre Boca Juniors e River Plate da Argentina. A globalização tem essa capacidade de aproximar fatos distantes. Não é todo dia que um torneio de futebol tão importante como a Libertadores da América é decidido por dois clubes tradicionais da mesma cidade. Seria o equivalente a Palmeiras e Corinthians na final de uma competição internacional. O mundo inteiro queria assistir a essa partida, mas a Argentina enfrenta uma grave crise. O país parece meio perdido, dançando um tango sem rumo. A final que deveria ser uma grande festa terminou como uma vergonhosa tragédia internacional.
A final em Buenos Aires, com o mundo inteiro assistindo, teria essa função redentora para lavar a alma portenha. O país, há anos está mergulhado em uma grave crise política e econômica, tem amargado governos desastrosos que destruíram a sua economia, minando as bases de uma sociedade que num passado não muito distante possuía padrão europeu. A Argentina já ofereceu para o mundo o cantor Carlos Gardel, o escritor Jorge Luís Borges e o jogador Diego Maradona, alguns artistas que se pode denominar de gênios. A decadência política, econômica e agora esportiva está acabando com o requinte e a sofisticação construídos em uma longa história.
As paixões são contraditórias e a Argentina, assim como muitos torcedores mundo afora, estava dividida em relação à final: Boca ou River. O país iria parar para ver esse jogo. A primeira partida já tinha sido eletrizante com um empate em 2 a 2. Pois bem, de repente, essa expectativa mundial de milhões de torcedores foi frustrada em função dos atos de um grupo de torcedores que apedrejou o ônibus da delegação do Boca. Não dá para estimar ao certo quantos torcedores jogaram pedras, infelizmente foram muitos, mas era uma parcela ínfima em relação aos 60 mil torcedores do River que pagaram ingresso e aguardavam o começo do jogo, pacientemente, dentro do estádio. Além do cancelamento da partida, a minoria medieval deu um prejuízo milionário para os clubes, para as emissoras de TV e para outras entidades envolvidas com a partida. Não se pode esquecer da violência do ato com as lesões provocadas nos jogadores do Boca com o risco da perda da visão dos atletas. Digna de registro também foi a imprevidência da polícia argentina que jogou o ônibus do visitante no meio das feras, sem nenhum tipo de proteção.
Embora pareça distante, o episódio da frustrada final da Libertadores tem muito a ver com a realidade global. Primeiro porque as circunstâncias que envolveram a decisão argentina são semelhantes ao que acontece no Brasil e em vários países, onde as torcidas organizadas cometem atos de violência que prejudicam clubes e milhões de pessoas. As pedras vieram da torcida do River, mas os torcedores de todos os grandes clubes brasileiros já fizeram algo semelhante. Depois do episódio, muito se falou sobre quando seria a próxima partida. Poucas notícias surgiram sobre a necessidade de punir os culpados que poderiam ser identificados pelas imagens de TV. O prejuízo causado pela minoria violenta do futebol argentino, numa analogia, pode ser transposto para a política e para outras manifestações e até mesmo para as redes sociais. Em vários cantos do mundo, estão aparecendo algumas minorias ruidosas e bem organizadas que estão se especializando em boicotar os interesses da maioria que, invariavelmente, permanece silenciosa e conformada com a agressão.