O fosso dos extremos

O fosso dos extremos

O debate político que se instalou no Brasil tem um componente contraditório. Nunca houve tanta abundância de informação no mundo, o que aumenta o volume das opiniões divergentes, mas na esteira desse processo promove-se um show de intolerância, principalmente nas redes sociais e na internet. Há mais gente interessada na política, na administração do país e em temas como a reforma da Previdência, um assunto polêmico que enseja muitas interpretações dependendo do ângulo a ser analisado.

O salutar aumento dessas manifestações contrasta com a legião de mensageiros “honoris causa”, gente que não tem nenhuma espécie de dúvida sobre o certo e o errado, o melhor e o pior, o que presta e o que não vale a pena. Para cada fato postam e enviam um juízo perfeito, certeiro e conclusivo. Embora o momento atual seja a época da pluralidade e das múltiplas verdades, tem muita gente fechada, sem disposição para escutar posições divergentes. A intensa convivência entre pessoas que possuem unidade de pensamento corre o risco de derivar para o fanatismo e para a cegueira política. 

 A última celeuma nacional gira em torno da revelação dos grampos das conversas entre os procuradores da Lava-Jato e o ex-juiz Sérgio Moro. Os que acreditam na inocência do ex-presidente Lula entendem que a operação inteira caiu por terra. Os partidários do ex-juiz e agora ministro da Justiça consideram que as conversas da dobradinha juiz/procurador são um mal menor que deve ser deixado de lado. Tem gente que aplaudiu de pé a divulgação da conversa entre a ex-presidente Dilma Rousseff e Lula patrocinada por Moro e agora está revoltada com a grave invasão de privacidade dos agentes públicos. Nesses casos, o contrário pode ser falso ou verdadeiro dependendo se os fins justificam ou não os meios.  

Os filósofos são venerados como sábios por acreditarem que 100% da razão não pode ser encontrada nas extremidades. Se esse sentimento fosse observado, isso faria com que as pessoas encarassem as mudanças com mais naturalidade. Em tese, não haveria motivos para grandes conflitos se o eleitorado experimentasse governos de esquerda e, depois de alguns anos, movimentasse o pêndulo para a direita. Diante de tanta distopia, pensadores ilustres chegam a vaticinar que a democracia pode estar morrendo no mundo e no Brasil, vítima da intolerância. Experts nessa análise anteveem que o panorama político e social vai piorar bastante antes que uma melhora seja percebida. Hoje, com a mesma fúria, a discórdia generalizada sai da esfera política e se estende a outros temas que podem ser ideologizados com muita raiva. Por isso, para muitos usuários dos aplicativos, o ar dos grupos, mesmo o dos familiares e dos amigos mais próximos, está ficando irrespirável.  

No Brasil político de agora, mesmo com todas as restrições que possam ser feitas a esses representantes, quem está jogando no meio campo são os presidentes das duas casas legislativas, da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. No governo, o fogo entre a oposição mais radicalizada e a ultradireita que chegou ao poder está sendo apagado pelos militares, capitaneados pelo vice Hamilton Mourão. Um confronto entre os extremos, na rua, nas redes sociais e nas próprias instituições, não produzirá resultados positivos em um país com a economia fragilizada e que assiste ao crepúsculo de uma década de desenvolvimento perdida.  

Para muita gente, a compreensão do quadro político atual passa pela discussão entre direita e esquerda. Para outra parcela esse debate não faz mais sentido, diante do esfacelamento ideológico dos partidos. Na teoria, a diferença mais substancial entre os dois extremos passa pelo papel do estado, do mercado e da iniciativa privada.

São questões de fundo econômico em que a direita advoga uma postura menos intervencionista e a esquerda uma atuação mais abrangente para defender interesses sociais. No entanto, mesmo essas questões de cunho econômico não despertam o interesse do cidadão comum que, alheio ao debate ideológico, quer na prática soluções para o brutal problema do desemprego, da violência e da falta de perspectiva para as novas gerações.

Outro componente foi adicionado ao caldo ácido e insensível desse debate histórico travado entre a direita e a esquerda: a questão dos costumes e da moral vigente que se expressa no “reacionarismo cultural”, na xenofobia, nos direitos das minorias, na política ambiental e até mesmo no sentimento de brasilidade. Infelizmente, no Brasil de hoje, não há sinais evidentes de que estejamos caminhando para uma convergência entre os extremos. Pelo contrário, vivenciamos um processo de aprofundamento das diferenças com consequências imprevisíveis.  

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