
O galã do assédio
No jogo recente do Palmeiras, em Novo Horizonte, o atacante Roger Guedes marcou o terceiro gol do Verdão. Numa explosão de alegria foi comemorar com a galera e subiu no alambrado numa catarse perigosa que uniu o jogador e a torcida. Logo que terminou a comemoração, o juiz puniu o jogador com um cartão amarelo e como já havia recebido outro amarelo, ganhou o vermelho e foi expulso do jogo. Inconformado, saiu de campo chutando as latas que encontrou pelo caminho e xingando o árbitro. Mesmo que sejam profissionais, em quase todas partidas, os jogadores demonstram desconhecimento das regras e uma rebeldia sem fundamento. Roger Guedes inclusive contou com a solidariedade de renomados cronistas esportivos que criticaram “a chatice atual do futebol”. A proibição de que os jogadores subam nos alambrados dos campos de futebol tem uma razão lógica e muito sensata. A segurança do público deve se sobrepor à maneira que um jogador comemora um gol. A proibição objetiva evitar que essa alegria se transforme em tragédia, cada vez mais frequente em campos de futebol, com alambrados caindo em cima de torcedores e até de crianças.
A vida atual está repleta de paralelos análogos ao direito de comemorar no alambrado reclamado por Roger Guedes. Na condição de figura pública, em vez de protestar, o jogador deveria dar exemplo. Muita gente age do mesmo jeito que o atleta e não hesita em ser egoísta para que o desejo individual prevaleça sobre o interesse coletivo. Esse foi o caso do ator global, José Mayer, que escorregou em outro campo: o do assédio sexual. Galã de novela, acostumado a se dar bem com as mulheres, o próprio ator pensava que podia tudo e reconheceu, em nota, a distorção da educação que recebeu. Embora fosse casado e tivesse uma filha, José Mayer declarou ser de um tempo em que os homens tinham o “direito” de assediar mulheres, mesmo que elas não quisessem. No início, as atitudes machistas, invasivas e abusivas ganham o disfarce das brincadeiras ou das piadas. Na sequência, viram casos de agressão, ofensa e opressão.
Mayer repetiu esse velho script com a figurinista Sussllen Tonani, 28 anos, que durante oito meses se sentiu incomodada com brincadeiras pesadas, com as cantadas e, por último, com um toque nas partes íntimas, sem o seu consentimento, na frente de outras pessoas. Durante esse longo período, Sussllen conviveu com o medo de denunciar o garanhão famoso por causa do risco dos papéis de mocinha e de vilão se inverterem. Na última sexta-feira, dia 31, a figurinista tomou coragem e relatou o assédio a um blog da Folha de São Paulo, o que fez com que o caso ganhasse projeção de grande escândalo. No relato que fez ao blog, “Agora é que são elas”, Susllenn contou que nos oito meses em que foi assediada, Mayer começou com o básico, “como você é bonita”, que logo evoluiu para o “fico olhando sua bundinha e imaginando o seu peitinho”. Mesmo que a figurinista dissesse que ele tinha a idade de seu pai, nas frases seguintes, o ator não se mancou e foi incisivo ao afirmar que ela deveria manter relações sexuais com ele. Diante da recusa, foi chamada de “vaca” na frente de outras pessoas. Num assédio que durou tanto tempo, uma dúvida ficou no ar: a Rede Globo sabia da conduta do ator e não tomou providências?
Diante da repercussão, funcionários e executivos da emissora se manifestaram contra o assédio sexual, usando camisetas com as inscrições “Mexeu com uma, mexeu com todas”, acompanhada da hashtag #chegadeassédio. Tornada pública a denúncia, a Globo se solidarizou com a funcionária e suspendeu José Mayer de todas as produções por tempo indeterminado. De início, o ator negou o assédio, dizendo que a figurinista estava fazendo confusão com o personagem machista, Tião, que interpretou em “A Lei do Amor”. Depois, diante das evidências, acabou admitindo a culpa.
Na nota de desculpas em que assume o erro, Mayer reconheceu que não percebeu as mudanças que ocorreram nos últimos anos. Não é que o mundo tenha ficado mais chato como disseram os cronistas esportivos no caso do jogador de futebol. Antigamente, esses fatos não tinham tanta repercussão, porque as vítimas se calavam. Hoje, o agredido denuncia a agressão ao maior jornal impresso e virtual do país e o fato sai da esfera privada para a pública. Por conta dos novos canais de expressão, a solidariedade se ampliou. As mulheres, por exemplo, estão dispostas a fazer com que a igualdade feminina não fique restrita aos discursos do dia 8 de março. A opressão, a invasão da privacidade e o desrespeito não podem ser mais deixados para lá e precisam virar objeto de denúncia e de reparação. Somente dessa forma, o absurdo e o intolerável nunca se tornarão algo normal e aceitável.