
o gigante desperta
As manifestações do domingo 13 de março entraram para a história. Foram os maiores protestos já realizados no país, superando até mesmo as mobilizações das Diretas Já em 1984. Não se pode discutir a política sob a fria ótica dos números. Naquela ocasião, há 32 anos, excetuando-se os setores mais reacionários ligados ao governo militar, formou-se no país um consenso óbvio de que a liberdade deveria avançar com a instituição definitiva das eleições diretas. Os desafios colocados para a sociedade no momento atual são metas bem mais difíceis de serem alcançadas, pois implica na substituição de um governo escolhido pelo voto direto, mas que se atolou até o pescoço na corrupção e se revelou incompetente para gerir a economia. A crise política decorre disso. Será que os eleitores da Dilma também estavam nas passeatas? Em Ribeirão Preto, a passeata do último domingo foi a que reuniu o maior número de pessoas, 70 mil segundo o cálculo oficial da Polícia Militar. Essa última mobilização teve adesão histórica dos ribeirãopretanos, cerca de 10% da população compareceu, um dado expressivo que não pode ser desprezado nas avaliações políticas.
As manifestações encorpadas jogaram por terra os argumentos do governo e do PT que consideram os protestos uma tentativa de golpe, um terceiro turno das eleições ou um movimento criado pela elite descontente. Quem participa das manifestações percebe que há uma diversidade de aspirações que em certos aspectos até dificulta o encaminhamento das reivindicações. Os porta-vozes do governo dizem que se trata de uma ação orquestrada pela imprensa e pelo Judiciário com vazamentos seletivos, embora essa afirmação seja desmentida quase que semanalmente com as eminências petistas que se “autoentregam”. Além dos empresários e dos dirigentes partidários, recentemente ocorreram confissões gravadas do senador Delcídio do Amaral e do ministro da Educação, Aloizio Mercadante que são estarrecedoras.
A última passeata teve a maior adesão porque muita gente cética, que não estava indo, ficou indignada com o nível da corrupção atual e resolveu participar. Essa mudança de atitude faz o gigante despertar e inaugura uma nova fase desse período de transição política induzido pela tecnologia. Isso não significa supor que todos os problemas estão para ser resolvidos. Através de uma intensa participação nas mídias sociais, mesmo que controversa, a sociedade está invertendo o eixo de poder, das instituições tradicionais — congresso, judiciário, imprensa, partidos políticos — para ongs e grupos organizados que passam a influenciar as decisões políticas e econômicas.
As manifestações foram convocadas pela internet, independentemente da divulgação da imprensa tradicional. Grupos sem vinculação partidária organizam as passeatas e defendem seus interesses em várias instâncias. Embora seja difícil perceber, essas ações descentralizam decisões, aperfeiçoam a democracia e instalam uma espécie de ética virtual que se contrapõe à antiga corrupção escancarada e clama pelo fim da impunidade. De forma unânime, nas passeatas, o juiz Sérgio Moro foi aclamado como herói nacional. Desde o surgimento das mídias sociais, ocorre no Brasil uma migração da democracia representativa, que registra na sua história enormes decepções, para a democracia que os teóricos denominam de social. Nesse contexto, não há lugar para os políticos, que não são bem-vindos nem nas manifestações. Além de protestar e pedir a queda de um governo, ativistas e cidadãos comuns caminham por ruas e avenidas à procura de uma outra forma de organização política capaz de atender a novas e crescentes demandas. Buscam nos protestos uma democracia participativa onde, por exemplo, não seja tão desgastante e tão demorado apear do poder uma governante que traiu seus eleitores e o povo do seu país.