
O gongo nas redes sociais
A cultura do cancelamento, com significado de censura, reflete algo recente, uma nova nuance do comportamento social que enseja a velha discussão do certo ou errado. Nas redes sociais, com uma frequência cada vez maior, pessoas famosas ou desconhecidas são banidas sumariamente da mídia. Essa exclusão pode ser temporária ou definitiva, dependendo dos atos que provocam conflitos de posição e de interesse. Na prática, funciona como se a internet fosse um grande tribunal virtual, onde um número exponencial de pessoas se junta para definir quem deve ser punido e qual será o castigo do infrator. Na grande maioria das vezes, essa condenação ocorre pelo efeito manada, sem que o réu tenha chance de se defender. Mesmo quando aparenta legitimidade, o justiçamento moderno se torna um processo violento e radical do qual nem os mortos escapam. Até as estátuas estão sendo derrubadas.
Em muitos casos, a exclusão se justifica para combater práticas reiteradas de assédio sexual, racismo, homofobia, preconceito, discriminação, bullying ou até irresponsabilidade social. A visibilidade da internet revelou a face sombria do comportamento humano. Nessa categoria foi enquadrada, por exemplo, a influencer Gabriela Pugliesi gongada pela opinião pública por ter promovido uma festa durante a pandemia. Em outros episódios, a reação viraliza, por conta de uma palavra mal colocada, uma redação mal feita, um escorregão na gramática ou uma ideia confusa elaborada com a pressa característica das redes sociais. Nessa categoria, aparentemente se enquadra a chefe de cozinha Paola Carosella espinafrada por um comentário considerado gordofóbico ao se referir a uma determinada comida. “Aquela saudável, que não nos deixa obesos, hipertensos”. Seguindo o manual da boa etiqueta das redes sociais, Paola se desculpou pelo uso inapropriado da palavra obeso.
Por ser algo novo, o mundo das redes sociais não tem um ordenamento claro. Embora os internautas possam ser responsabilizados pelo conteúdo, o equilíbrio virá com a consolidação de práticas éticas e respeitosas consolidadas no mundo off line. A legislação precisa avançar para conter a ação das milícias digitais. Há que se inverter a lógica da desconstrução social que está em curso, banindo o linchamento moral e as ameaças de morte. A prática inclusiva precisa ampliar os espaços educativos para que os novos limites sejam estabelecidos e fiquem mais claros para quem navega na internet. Felizmente, ficou para trás aquele período em que as bruxas eram julgadas e queimadas em ritos sumários. Agora, uma mudança precisa ocorrer para impedir que o apedrejamento virtual se transforme numa prática corriqueira.