
O grito das ruas
Novos protestos foram marcados para este domingo em todo o Brasil. Embora milhares de pessoas compareçam espontaneamente nessas manifestações, pelo menos duas entidades estão à frente da mobilização: o “Movimento Brasil Livre” (MBL) e o “Vem Pra Rua”. Partidos, sindicatos, entidades e movimentos são organismos vivos que com suas representações expressam ideologias, pensamentos organizados que tentam dar um sentido para o mundo. A propósito: o que seria um “Brasil Livre”? Na política das passeatas, os slogans soprados com a plena força dos pulmões não são letras mortas, mas são palavras que tentam delinear uma nova ordem, expressando ideias, sintetizando demandas e encerrando os ideais de mudança. Embora seja um ato político da maior consistência, não basta ir às ruas, nem tampouco ser “contra tudo que está aí”. Nada se resolverá com uma ou uma dúzia de passeatas. Para escrever a história de um Brasil novo, será necessário tomar posições, deliberar com profundidade e se rebelar contra décadas de passividade.
O Brasil já teve épocas de grandes mobilizações. Os primeiros poços da Petrobras jorraram óleo em meados do século passado. Os anais da história contam que um marqueteiro casual criou o slogan do “Petróleo é Nosso” que embalsamou a imagem do ditador Getúlio Vargas. Posteriormente, durante a Ditadura Militar, vários grupos avaliaram que a única forma de lutar pela democracia era ir à rua pegando em armas. Por ironia do destino, a presidente Dilma Rousseff, principal alvo das manifestações atuais, fez parte de uma organização com essa ideologia, chamada de Comando de Libertação Nacional (Colina). Mais tarde, com os codinomes de Wanda ou de Estela, Dilma Rousseff integrou um grupo denominado Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), inspirados nos ideais libertários do líder negro, Zumbi dos Palmares. A grande maioria dos membros foi torturada e morta pelos militares que estavam no poder.
Felizmente, os tempos mudaram, embora continuem difíceis. Uma minoria inexpressiva anseia pela volta dos militares, mas nem por isso alguém fala em pegar em armas. Na verdade, agora, o povo está aflito com a carestia esufocado pela maior contradição da democracia. Está escrito na Constituição que todo o poder emana do povo e somente em seu nome será exercido. O problema é que os políticos só mentem e o constituinte de 1988 não facilitou a vida dos súditos que desejam destituir os seus representantes que traíram a sua confiança e a vontade popular. Não é fácil cassar um único deputado. A morosidade do processo judicial bate de frente com a ânsia por mudanças imediatas. Nessa hora em que um novo movimento de massa difuso ressurge com força, nas ruas do país, juristas renomados explicam os ritos da mudança sem a virada de mesa. As premonições de sociólogos pensativos tentam predizer até aonde vai esta caminhada do povo desesperançado.
Será que os altos mandatários escutarão os gritos das ruas? Logo após as manifestações do dia 15 de março, a maior mobilização popular ocorrida no país desde a campanha das Diretas Já (1984), o empresário Rogério Chequer, porta-voz do Grupo “Vem pra Rua”, foi entrevistado no programa Roda Viva e comentou a resposta do governo. “Eles não entenderam nada”. Todo o governo só ouve o que lhe interessa. Quem está protestando, quer livrar o país da corrupção, deseja mudanças na economia ou quer algo mais profundo com a reforma política e a convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte? Será que para mudar, de fato, o país, basta mandar os corruptos para a cadeia?
Mesmo que essas ainda sejam perguntas sem respostas definitivas, a sociedade parece que despertou. Depois de anos de uma cegueira crônica, percebeu que os sonhos que poderiam acalentar as novas gerações foram roubados. Nesse momento de ebulição, no vazio da descrença deixado por políticos, partidos e sindicatos, faltam referências confiáveis, pessoas nas quais o povo insatisfeito possa confiar. Nessa hora de instabilidade política e emocional, o país não precisa de heróis de ocasião e dos perigosos discursos salvacionistas dos aventureiros. Para que a democracia não se afaste cada vez mais da República, as instituições precisam dar respostas rápidas. Como ninguém cria por decreto um país livre, ético, cheio de oportunidades e sem corrupção, o movimento que ganha as ruas será vitorioso se conseguir fazer com que o cidadão desperte para exigir o cumprimento de seus direitos mais elementares, como ver o dinheiro dos impostos bem aplicado, sem roubalheira. Pequenas mudanças podem resultar em grandes transformações. Não é de se duvidar! Caminhando nas ruas, o povo adormecido grita para recobrar a consciência e romper de vez com décadas de submissão.
Foto: Guilherme Bordini