
O impeachment da internet
A paralisação dos caminhoneiros deu a dimensão da crise econômica que abala o país cujos desdobramentos ainda são imprevisíveis. O ano começou muito mal com dólar em alta, aumento na tarifa de energia elétrica e o fatídico aumento dos combustíveis com reflexos em toda a economia. Esta semana, os cortes de verbas alcançaram as universidades públicas. Pelo país inteiro, obras estão paradas e a economia anda em marcha lenta, quase engatando a ré. O governo da presidente Dilma Rousseff enfrenta sua pior crise e a popularidade da primeira mandatária do país despencou. Hoje, apenas 35% dos brasileiros aprovam a sua administração.
Nessa conjuntura bastante adversa que o país enfrenta, surgiu uma onda, principalmente na internet, de um movimento que pede o “impeachment” da presidente Dilma Rousseff. Convocada pelas redes sociais, uma manifestação simultânea deverá ocorrer em todo o país, no domingo, dia 15 de março. Em Ribeirão Preto, a concentração está marcada para a Praça Carlos Gomes às 9h30. Movimentos pela internet não possuem direção, mas os organizadores acreditam que a partir dessas manifestações surgirá uma nova onda de protestos capaz de colocar o governo em xeque.
Nesse ponto, cabe uma reflexão para separar o descontentamento popular das razões concretas que podem levar ao impeachment de um presidente. Antes de mais nada é preciso lembrar que o descumprimento de promessas eleitorais e a execução de todas as maldades atribuídas aos adversários durante a campanha, como o aumento exorbitante nas tarifas de energia elétrica, pode deixar o cidadão revoltado, mas não são motivos suficientes para cassar um presidente. Desde que assumiu, até este começo de quinto ano, o governo da presidente Dilma Rousseff tem se mostrado incompetente em muitas frentes de atuação. Foi conivente com a corrupção na Petrobras, ainda não executou as obras de infraestrutura e fracassou ao interferir diretamente na área econômica. Dilma ainda prestou o desserviço de desajustar as contas públicas que se mantiveram relativamente equilibradas até o final do governo do ex-presidente Lula.Apesar de tudo isso, a candidata do PT saiu vitoriosa nas urnas no primeiro e no segundo turno. Mesmo que a vitória tenha sido apertada, não procede o argumento de que se trata de uma maioria relativa, pois pelas regras atuais votos brancos, nulos e abstenções não contam. Bem, se o descumprimento de promessas de campanha e aumentos exorbitantes de tarifa não são motivos para impeachment, sobraria para uma eventual impugnação da mandatária a anuência ou participação em desvios de recursos públicos, seja no âmbito da Petrobras ou de outras empresas estatais. Nesse circunlóquio também cabe um parêntese. Até o presente momento, não há nenhuma prova objetiva de que Dilma tenha participado dos desvios ocorridos na estatal da qual presidiu o Conselho de Administração. Sobre essa discussão, a última pesquisa feita pelo DataFolha revela dados interessantes. Cerca de 77% dos entrevistados acreditam que Dilma tinha conhecimento da corrupção na Petrobras. De cada 10 entrevistados seis entendem que a presidente disse mais mentiras do que verdades na campanha eleitoral. No entanto, no segundo turno da eleição, Dilma teve 54 milhões de votos (51%), mas nas ruas, hoje, com o recrudescimento da crise econômica, está cada vez mais difícil encontrar os eleitores da presidente.
Perante os tribunais, a presunção não vale como prova. A Constituição Federal estabelece que nenhum fato ocorrido antes do dia 1º de janeiro de 2015 pode embasar um processo de impeachment. A mesma regra vale para o exercício de outros cargos públicos ou mesmo para o mandato presidencial já concluído. Salvo algumas exceções, somente as irregularidades cometidas em 2015 poderiam embasar um processo de impeachment. A presidente possui foro privilegiado e só responderá por eventuais delitos em cargos anteriores em 1º de janeiro de 2019. Até lá, os prazos de prescrição permanecem suspensos, aguardando que Dilma Rousseff volte a ser uma cidadã comum ao entregar a faixa presidencial.
Empresários envolvidos no escândalo do “petrolão” não querem ter o mesmo destino do operador do “mensalão”, Marcos Valério, um dos únicos réus a ficar preso, enquanto os políticos cumprem penas mais leves em regime de semiliberdade. Se não forem socorridos, esses empresários, donos de grandes construtoras ameaçam fazer novas denúncias explosivas que podem desgastar ainda mais a imagem do PT perante a opinião pública, mas isso já é outra questão política. Isso não significa que as manifestações não sejam válidas ou que não façam sentido. Antítese da alienação, a manifestação popular é o único caminho para pressionar o governo e o Congresso Nacional. Sem o bafo da pressão popular, governos de vários tons e matizes viram as costas para o cidadão comum. O povo nas ruas pode acelerar o processo de mudança.