O ímpeto de uma geração

O ímpeto de uma geração

A simpatia por números redondos em parte explica o paralelo que se estabeleceu entre 1968 e 2018, cuja subtração resulta nos rotundos 50 anos. A ligação literária ganhou forma nas páginas do livro de Zuenir Ventura intitulado “1968: o ano que não terminou”. A obra do escritor carioca, escrita em 1988, redondos 20 anos depois do ano fatídico, relembra os principais episódios da vida nacional. Quem lê ou relê o livro de Zuenir chega à conclusão que aquele final da década de 60 foi uma época especial, atípica, com uma sequência de fatos importantes que influenciaram gerações e a história do país. Meio século depois, esse ímpeto coletivo foi se perdendo no meio de grandes decepções e das brechas que o tempo vai abrindo. À luz dos fatos são épocas bem distintas, pois, hoje, o país está tentando sair de uma grave crise econômica e se livrar de uma enorme instabilidade política. Faltam lideranças e os movimentos coletivos cederam lugar ao individualismo ampliado pela falsa sensação de grupo provocada pelas novas tecnologias. Há no horizonte uma tremenda falta de perspectiva.

Em 1968, Chico Buarque, Tom Jobim e Caetano Veloso foram estrepitosamente vaiados nos festivais que arrastavam multidões e influenciavam os comportamentos da época. O público aplaudia inflamado “Para não dizer que falei das flores”, de Geraldo Vandré. O poeta Ferreira Gullar aparecia como a estrela da esquerda e o cronista Nelson Rodrigues era considerado um reacionário de direita que adorava provocar a esquerda. No meio desses embates constantes, a geração de 68 emergiu para a história com o ícone de libertária. Mesmo debaixo de vaias, Caetano Veloso poetizou o “É proibido proibir”. Era um tempo em que as pessoas morriam e matavam pelos ideais de revolução. Época de intelectuais ousados e de lideranças expressivas. A passeata pela morte do estudante Edson Luis reuniu 100 mil pessoas no Rio de Janeiro, mesmo que não houvesse garantia de manifestação. Na vanguarda dos movimentos estavam artistas, músicos e intelectuais. O viés do teatro de José Celso Martinez era a contestação política misturada com a sexualidade. Os comunistas não se entregavam fácil e eram respeitados mesmo por quem divergia frontalmente da ideologia. As missas da Candelária eram atos de resistência.

Nessa roda viva, o Brasil era governado pelo general Costa e Silva, pressionado por parte das Forças Armadas para fechar o regime de vez, enquanto eclodiam no país manifestações pela volta da democracia. Um discurso improvisado do deputado Márcio Moreira Alves serviu como pretexto para que, no dia 13 de dezembro de 1968,  a ditadura baixasse o Ato Institucional número 5. A partir daí, pessoas podiam ser presas sem ordem judicial e o regime tirava a máscara definitivamente. Na tribuna, o deputado lembrou de uma peça francesa e pediu que as mulheres de recrutas e dos oficiais do Exército esfriassem as atividades sexuais. Que ano foi aquele!  Os estudantes eram referência política nessa época que girava em torno da contestação e da busca pelo novo. Contudo, não se explica a tentativa de realizar um congresso clandestino, sem chamar a atenção, com mais de 1.000 pessoas em uma cidade tão pequena como Ibiúna (SP). Todos os estudantes foram presos, o ex-líder estudantil, José Dirceu, pela primeira vez.

Depois de 1968 e nos anos seguintes pairava uma certeza de que a volta da democracia seria a solução de todos os problemas do país. Demorou mais 20 anos para que o eleitor brasileiro escolhesse os seus representantes, livremente, pelo voto direto. Com muitas mortes e sacríficos, a democracia foi reconquistada, mas nem de longe a escolha dos governantes significou a redenção dos problemas nacionais. Quase todos os dias, o cidadão brasileiro acorda com alguém eleito, prefeito, governador e presidente, sendo preso e investigado pela Justiça. A volta da democracia deu os meios para a construção de um país melhor, mas ainda não foi suficiente. O voto do eleitor precisa amadurecer para que o país retome aquela sede de mudança política que havia nos idos de 1968. O voto pelo voto, sem a cobrança dos representantes e uma escolha qualificada, não basta para mudar o rumo de uma nação que tem eleições marcadas para 2018. 

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