O jato do jornalismo

O jato do jornalismo

As mudanças ocorrem com tanta velocidade que fica difícil interpretar os novos contextos e superar visões antigas. A comunicação e o jornalismo estão entre as áreas que mais sofreram transformações de produção e de conteúdo. Houve um tempo, na história recente do país, em que a imprensa era censurada. Nas épocas mais duras do regime militar, a restrição chegava a ser total, com a proibição para noticiar fatos ou personagens. À medida que o processo de democratização avançou, a censura à livre circulação da informação migrou para a antiga divisão entre o governo e a oposição. Nas diferentes esferas do poder, grupos que controlavam verbas publicitárias em prefeituras, governos estaduais e na administração federal manipulavam recursos para favorecer, estimular e influenciar acontecimentos e movimentos políticos. Para a felicidade geral da nação, essa fase também passou. Prefeituras, órgãos públicos da administração direta e indireta ainda podem fazer uso de verbas públicas licitadas, mas a fiscalização exercida por tribunais de conta, pelo Ministério Público e a vigilância da própria sociedade, hoje, são muito maiores. Também se consolidou uma legislação bem mais rígida, que proíbe a propaganda de interesse exclusivo dos governantes. A administração federal ainda é detentora de um grande orçamento que pode comprar a simpatia de veículos de comunicação, mas isso já não garante mais a sobrevivência de um governo ruim e mal avaliado pela opinião pública. A verba ficou curta e já não dá mais para comprar todo mundo.

Quem esteve durante muito tempo no centro desse debate sobre a censura e a liberdade de imprensa foi a Rede Globo. Dois episódios importantes da história do país marcaram a trajetória da emissora. A omissão na cobertura das Diretas Já e a polêmica edição do debate entre Lula e Collor, no Jornal Nacional, na eleição de 1989. Em documentos internos e veiculações externas, a emissora reconheceu os erros, fez uma autocrítica e mudou a linha editorial para um jornalismo mais equilibrado, aberto à versão das partes, ainda assim sujeito a críticas. Na mesma proporção em que a Globo pluralizou a cobertura política, o espectador e a opinião pública passaram a depender cada vez menos das informações veiculadas pela emissora. Se antes assistir ao Jornal Nacional era algo obrigatório para ficar informado, hoje, há uma avalanche de informações disponíveis on-line, em novos veículos, sites e blogs que podem atualizar as notícias, sem a menor necessidade de ligar a TV. Isso se refletiu na perda de audiência da Globo e das demais emissoras para a Internet. A nova geração, da adolescência aos 30 anos, pouco assiste televisão para se informar, dá preferência às series e a outros programas de entretenimento. A concorrência na própria TV também aumentou, pois os programas jornalísticos são exibidos em horários comuns com pequenas diferenças de tempo. O espectador costuma dizer que o noticiário das TVs está muito igual. Se algum veículo quiser omitir alguma informação sobre uma cobertura relevante será furado pelos concorrentes e perderá credibilidade perante a opinião pública. As emissoras continuam com seus interesses econômicos e políticos, mas mesmo os grandes veículos não conseguem mais abarcar sozinhos grandes questões e lobbies, pois até mesmo os interesses, hoje, são fragmentados.

A última cantilena que caiu nesse processo foi a perseguição a grupos ou a partidos políticos. Um dos argumentos que mais se ouviu durante o processo de impeachment se referia aos “vazamentos seletivos”, diga-se de passagem, quase todos de alto interesse nacional. A conversa entre Lula e Dilma Rousseff na época da posse no ministério foi estarrecedora. A história do Brasil foi recheada de revelações de conversas antirrepublicanas. O governo afastado reclamava muito de uma suposta perseguição dos grandes veículos, entre eles, da Folha de São Paulo. Dez dias depois da posse, a Folha batizou o novo governo provisório com a revelação de uma conversa gravada, também nada republicana, entre o ministro do Planejamento, Homero Jucá, e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que discutiam maneiras de brecar a sangria das revelações da Lava Jato. A divulgação da conversa derrubou Jucá. A simples troca de governo fez com que o foco das reportagens saísse da esfera do PT, Dilma, Lula e Delcício do Amaral, para Renan Calheiros, Eduardo Cunha e Homero Jucá, todos estes do PMDB.

Na palestra promovida pela Revide, publicada nesta edição, Tiago Herdy, repórter do jornal “O Globo”, especializado em jornalismo investigativo, disse que o juiz Sérgio Moro inovou na Justiça Brasileira ao disponibilizar à imprensa e à sociedade um arquivo digital completo com todas as delações premiadas, investigações da Polícia Federal, pareceres de procuradores e decisões  judiciais. Segundo Herdy, para que a cobertura e as investigações fossem maiores e mais profundas, faltaram recursos humanos, ou seja, mais jornalistas em cada veículo de informação para dar conta da avalanche de denúncias. Esse é um ponto extremamente positivo do processo por que passa o país. Nenhum político, partido, governo, grupo econômico têm força suficiente para barrar as investigações da Lava Jato ou determinar o que será publicado pela totalidade da imprensa. A pluralidade das versões fortalece a democracia. 

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