
O jogo da velha
Os mais antigos diriam que essa é do “arco da velha”, mas alto lá. Se ao ler o título, você imediatamente pensou naquele joguinho simplório em que ganha quem fizer primeiro uma carreira de três — na horizontal, na vertical ou na diagonal — chegou a hora de rever o enfoque e botar os neurônios para navegar. O jogo da velha é muito fácil de aprender, qualquer um pode jogar. Dizem que foi inventado para passar o tempo de quem nem podia mais enxergar direito. Por isso, recebeu a alcunha de jogo da velha. Já o sinalzinho agregador está mudando a forma de interação com o mundo.
Pelos tortuosos caminhos da modernidade, o jogo da velha foi transformado num intrincado mecanismo de indexação de assuntos através de palavras-chave que resumem polêmicas, tendências, discussões e assuntos de interesse em comum. Algo tão complicado como as propriedades de um algoritmo. O comportamento humano está sendo violentamente impactado pela tecnologia dos móbiles. Esse fenômeno colocou o mouse naquela famosa encruzilhada do gato preto, ou melhor, naquela conhecida sinuca do jogo da velha em que um “X” em falso implica na derrota ou na vitória. No mundo virtual, o prosaico sinal representa a “hash tag”, a palavra-chave da relevância, do tema candente capaz de descortinar o mundo novo das tendências que se abrem diante da tela. O lobby das opiniões vem associado à informação com conteúdo ou à bobagem infinita. Nessa curta caminhada da internet, o tópico mais relevante viaja pela subversão da ordem vigente protagonizada por novas ferramentas. Até então, a pauta do mundo passava pelo crivo dos meios de comunicação de massa que filtravam e ditavam os rumos da prosa.
Já se percebem mudanças na forma como as minorias se relacionarão com as maiorias daqui para frente. Por incrível que pareça, o trivial caractere aumentou o peso da minoria e conseguiu reunir agentes que estavam fragmentados no tempo e no espaço. Nessa nova ordem da informação, agora, os seguidores do twitter, do facebook ou do instagram formam uma espécie de coro, influenciam a estética do gosto, a ordem da importância ou aprofundam a degringolada de um mundo cada vez mais “nonsense”. Bastar dar um clic, reflexivo ou inconsequente, em cima do “#” para abrir o hiperlink que se espalhará pela rede em tempo real, fisgando milhões de seguidores. Tais como soldados de uma nova ideologia, os mecanismos de buscas irão ao encalço do consenso, da simpatia ou da aversão gratuita. Esses novos conceitos de mundo ficarão bem visíveis, estão à sua espera no menu no canto da página. Os famosos “trending topics” são os novos comerciais da fama e da disseminação dos conceitos de vida. Basta rastrear e seguir.
Nessa conexão estão as empresas interessadas em novos nichos de negócio. Abrindo essa tela, dá para ver que o mundo virtual começa recortar o real. O cidadão, até então apartado, passa a ter uma influência mais forte, de maior frequência e repercussão ampliada. Com esse novo palanque, a sua voz ativa aparece a todo instante e não mais no bianual voto na urna. A outrora narrativa solitária encontrou a plateia que tanto procurava para produzir uma nova correlação de forças. Agora, os pequenos grupos se fazem ouvir, tanto na discussão política como econômica. Um internauta descontente pode botar a “velha” para jogar contra uma grande corporação ou um governante poderoso. De olhos nos dividendos eleitorais, o Congresso Nacional quer que a campanha política nas mídias sociais seja liberada antes da data estipulada pela Justiça Eleitoral, mas a hora em que essa legião de desconexos conseguir ajustar a sintonia, haverá uma reinvenção do mundo e da própria democracia.