
O juro composto
Charles Dodgson quase ninguém conhece, mas Lewis Carroll foi um romancista, contista e poeta muito conhecido pela capacidade de fabulista (contar histórias cheias de significados) e pela clássica obra de literatura, Alice no País das Maravilhas, traduzida para mais de 50 idiomas. Reverendo anglicano, Carroll também era um exímio matemático. Do circunspecto e árido mundo dos números, conseguia construir pontes para as dissertações literárias, usando o raciocínio lógico como fonte de inspiração. Uma de suas metáforas mais conhecidas é a história da dívida do professor com o alfaiate. Há alguns anos, o professor havia contraído um empréstimo que depois de muita rolagem alcançava a cifra de duas mil libras. Por causa desse juro escorchante, tal qual o praticado na atualidade por instituições financeiras sem escrúpulos, o valor devido ia dobrando anualmente, mas o professor sempre permanecia muito tranquilo, apesar de a dívida duplicar de tamanho. A cada vez que o credor aparecia para fazer a cobrança, o professor com desembaraço perguntava:
— Quanto lhe devo meu bom homem?
Ao ser informado do valor, o astuto professor já enfiava a mão no bolso, fazendo menção de que pagaria a dívida no ato, mas no instante seguinte perguntava se o credor não estaria interessado em esperar mais um ano para que as duas mil libras se transformassem em quatro mil. Dessa forma, o enriquecimento do alfaiate seria líquido e certo. Depois de titubear um pouco, o credor acabava seduzido pela possibilidade do valor dobrar novamente e tornar-se um homem ainda mais rico no ano seguinte. Quando o alfaiate virou as costas, satisfeito por ter o capital duplicado mais uma vez, alguém perguntou para o professor se um dia ele pagaria essa dívida. A resposta foi enfática.
— Nunca, pois o alfaiate sempre vai optar por dobrar a quantia até o dia da sua morte e nunca irá usufruir deste dinheiro. Por esse raciocínio, sempre vale a pena esperar mais um ano para ter o dobro. Mesmo que tenha mais de 150 anos, o texto enquadra perfeitamente a obsessão pela riqueza material que virou a principal meta intrínseca da sociedade moderna, mesmo que para isso seja necessário sacrificar a realização da felicidade atual. O juro composto serve para reduzir, exponencialmente, o tempo de acumulação do capital financeiro, mas a mesma regra não vale para a captação de momentos de tranquilidade, alegria, paz e felicidade que não estão diretamente associados à questão econômica. Vejam os paradoxos. Depois de acumular uma das maiores fortunas do mundo, o empresário da computação, Bill Gates, doou boa parte dela. Para acumular uma fortuna maior do que já possuía, na base do juro composto, o empresário Eike Batista enfiou os pés pelas mãos. Perdeu uma boa parte da fortuna, da reputação, da idoneidade e hoje convive com a pecha de derrotado.
A aplicação pura e simples da regra do juro composto na vida e nas finanças provoca discussões éticas interessantes suscitadas pelo conto de Lewis Carrol. Na matemática cega e fria, pela regra do percentual sobre o capital mais o percentual, vive-se em cima das expectativas futuras acumuladas em detrimento das possiblidades reais do hoje. O mercado financeiro segue piamente a regra dos juros compostos que tanto seduzia o alfaiate. O juro se soma ao capital criando a ciranda do juro sobre juro. As pirâmides, a agiotagem e tantos outros golpes que vira e mexe são aplicados na praça também seguem esse princípio. Se para o capital essa é a forma lícita e mais rentável de remuneração, para o ser humano, a observância cega desta premissa pode embutir os ganhos ilusórios que tanto faziam brilhar os olhos do alfaiate: a ganância desmedida.
Os juristas discutem se o juro composto é um mecanismo justo para pactuar relações comerciais e financeiras entre partes desiguais. Na tese que se levanta, a incorporação do juro composto só poderia ser feita anualmente, tal qual ocorreu no conto do professor e do alfaiate. Certa feita, Albert Einsten declarou que “a força mais poderosa do universo é o juro composto”. O sábio cientista estaria associando esse poderio todo a uma força motivadora ou a simples obsessão pela riqueza? Na moral do conto, quem passa a vida inteira esperando pelas realizações futuras, com expectativas a prazo, pode estar perdendo ótimas oportunidades de realizar seus desejos e prazeres no momento atual, ou seja, à vista.