
O limite da imprudência
O maior orçamento da história de Ribeirão Preto contrasta com a grave crise financeiro-administrativa. Nos últimos anos, a Prefeitura não deu folga para a caneta e contratou funcionários comissionados em excesso. Agora, fala em economia de guerra e até em vender prédios para pagar dívidas. O próprio Sindicato dos Servidores Municipais, que apoiou a atual administração na última eleição, agora abre fogo pesado para exigir que funcionários de carreira ocupem os cargos de chefia. Os sindicalistas denunciam que o servidor virou o bode expiatório por conta da má gestão. Sobra confusão, falta entendimento e um pouco de coerência.
O orçamento municipal tem de ser entregue até o dia 30 de setembro. Pela primeira vez na história, a previsão de receita deve ultrapassar os R$ 2,1 bilhões, um valor 14% superior ao de 2013 (R$ 1,9 bilhão). Algum cidadão desavisado poderia supor que Ribeirão Preto figura no rol das cidades privilegiadas com uma abundância de recursos para investir em saúde, educação e outras áreas de interesse público. Um dado espantoso revela que mais da metade desse orçamento ou 51,95%% estão comprometidos com o pagamento dos nove mil servidores municipais. As despesas com salários e encargos devem alcançar R$ 1,1 bilhão. No linguajar do economês público, o gasto com a folha teria extrapolado o limite da prudência. Digamos que a imprudência tenha campeado solta nos últimos anos. Nunca houve uma transparência efetiva e um esforço consistente para evitar que o gasto com pessoal consuma metade do orçamento.
Pressionada pelo estouro do limite de 51,30% estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a administração anunciou 16 medidas para cortar R$ 12 milhões na folha de pagamento. O “pacotão das maldades”, rotulado pelo Sindicato dos Servidores, inclui o corte no número de funcionários comissionados, diminuição no número de funções gratificadas, exonerações, corte de horas extras e restrição para converter férias e licenças em dinheiro. A Prefeitura gasta, em média, R$ 3,3 milhões mensais com os salários dos servidores que possuem cargos em comissão. Se os cortes de 20% com pessoal podem ser feitos agora, por que a economia não foi feita antes? Diferente da iniciativa privada, o caixa público, cujo dono é o contribuinte que não tem acesso a esses dados complexos, sempre foi tratado com leniência. Segundo dados do Ribeirão Transparente, a despesa com o funcionalismo triplicou nos últimos sete anos. Em 2007, o município tinha sete mil servidores, dois mil a menos do que tem hoje.
No meio desse aperto, sempre surgem antigas propostas que não são colocadas em prática. “Agora, a Prefeitura pretende cobrar os devedores, quer receber a dívida ativa de R$ 700 milhões e etc”. Ora, ora, a Prefeitura só cobra devedores quando está no sufoco? A cobrança do que tem a receber não seria função precípua da administração pública que independe da sazonalidade financeira? Também aparecem propostas do tipo “redução das despesas de custeio e reestruturação funcional da administração pública”, expressões do economês público que sempre acabam fazendo companhia ao Latim no cemitério das palavras mortas.
No meio desse tiroteio de reais e de falsas intenções, o maior vazamento acabou ocorrendo no Daerp. Os funcionários de carreira se rebelaram contra os comissionados que chegaram a ser suspensos. Ou seja, por pressão, a administração suspendeu os próprios funcionários que ela mesma nomeou. O clima ficou pesado com a campanha “Xô Sanguessugas”. Não teria sido menos desgastante aproveitar melhor os servidores de carreira, desde o início desta gestão?
A dramaticidade da questão financeira municipal fica mais evidente quando surgem propostas de vender os ativos do Município para pagar dívidas ou dos mirabolantes artifícios contábeis que são lançados, frequentemente, para arrumar dinheiro. Algo do tipo: quem está devendo ainda tem crédito para receber mais um pouco. Recentemente, a Prefeitura de Ribeirão Preto contratou a Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia para fazer uma atualização contábil dos bens públicos. Como a Fundace tem ótimos e renomados professores, essa assessoria poderia ser estendida para algumas aulas sobre planejamento financeiro e gestão administrativa. É bem mais lógico e fácil estabelecer um programa de metas de curto, médio e longo prazo do que ficar adotando medidas paliativas depois que a água já está entre a boca e o nariz.