
O livro, o juiz e a utopia
Até mesmo o mais informado dos leitores terá dificuldade para saber de cabeça qual o número da edição da Lava Jato que está sendo realizada no momento pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Para quem foi ultrapassado pelas últimas notícias, informa-se que na Operação Abismo, a 31ª, deflagrada no dia 4 de julho, as investigações descobriram até dinheiro desviado para escolas de samba de Porto Alegre e para uma rainha de bateria que embolsou R$ 60 mil. Depois de Delúbio Soares e de João Vaccari Neto, o principal indiciado é mais um tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, que concorreu a deputado federal pelo Rio Grande do Sul, mas não se elegeu.
Por causa das últimas operações da Lava Jato, o país ficou sabendo que havia um assalto ao crédito consignado dos servidores públicos, desvio de verbas na Lei Rouanet para casamentos luxuosos, roubo no Fundo de Garantia dos Trabalhadores e por aí vai. Como ainda está funcionando a todo o vapor, não dá para dimensionar o impacto que a Lava Jato terá sobre a política brasileira. Extraoficialmente, comenta-se que o epílogo será com um número enigmático (33) e a prisão do mentor dessa gigantesca corrupção que saqueou dos cofres públicos inestimáveis bilhões de reais. O que pode se afirmar com certeza é que a Lava Jato entrará para a lista de fatos históricos que contribuíram para mudar o Brasil.
Embora a faxina política seja resultado de um trabalho conjunto de várias instituições e não seja uma boa estratégia política personificar os resultados positivos, a iniciativa e as fraudes descobertas são méritos de um servidor público, um juiz obstinado, sério e competente que com suas decisões resgatou um pouco da credibilidade da Justiça. Entre vários trabalhados publicados até agora, duas obras sobre a maior operação judicial já realizada no país ganharam destaque. Uma delas — “Lava Jato” — foi escrita pelo repórter da Rede Globo, Wladimir Neto, filho da comentarista de economia Miriam Leitão, que cobriu a operação desde o início, em Curitiba. Outro livro que ganhou repercussão nacional teve a autoria do advogado de Ribeirão Preto e professor da Unaerp, Luiz Scarpino — “Sérgio Moro, o homem, o juiz e o Brasil”. Em junho, a obra ficou entre os sete livros mais vendidos no país, na categoria não ficção, numa lista publicada pela revista Veja.
Scarpino usou as vocações de professor e de advogado para escrever uma obra didática e ao mesmo tempo esclarecedora sobre as questões jurídicas que envolvem a Lava Jato. Além de traçar um perfil da carreira do juiz e de relembrar os principais casos em que o magistrado atuou (Banestado, Farol da Colina e Operação Fênix), a obra recupera a sua participação no Mensalão, auxiliando a ministra Rosa Weber, bem como relembra casos internacionais que serviram de inspiração: a operação Mãos Limpas, na Itália, e o escândalo de Watergate que, em 1974, culminou com a renúncia do ex-presidente norte-americano Richard Nixon.
O balanço da Lava Jato ainda não está completo. Por isso, até mesmo esse texto corre o risco de ficar defasado entre a redação e a publicação. Scarpino compilou dados até abril de 2016. Até a 28ª operação, a Lava Jato contabilizava penas de 700 anos de prisão, 15 sentenças e 58 condenações. No mesmo período, a Polícia Federal instaurou 215 inquéritos, 141 estão em andamento, e 1.119 processos eletrônicos. Um dado de alto interesse da sociedade traz o impressionante valor de recursos repatriados: R$ 659 milhões. Mais R$ 2,4 bilhões estão bloqueados à espera de sentença judicial. Em um capítulo, o professor mostrou que a Lava Jato foi bastante democrática. Alcançou políticos do PMDB (Renan Calheiros e Eduardo Cunha), do PT (Delcídio do Amaral e João Vaccari) e grandes empreiteiros (Marcelo Odebrecht e Ricardo Pessoa). Com base nas investigações da Lava Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou denúncia no Supremo Tribunal Federal contra o ex-presidente Lula e pediu que o STF autorize a investigação contra o senador Aécio Neves (PSDB).
Em outro capítulo, o advogado Scarpino mostra todas as fases, as datas, os envolvidos e os nomes de cada operação da Lava Jato, uma verdadeira aula de filosofia e de política baseada nas denominações escolhidas pela Polícia Federal. Além das iniciais batizadas com os nomes dos filmes do cineasta italiano Federico Fellini (Dolce Vita e Bidone), as operações passearam pela música (My Way e Que país é esse), até chegar à filosofia grega com a politeia que descreve a cidade perfeita idealizada no livro “A República de Platão”, um paraíso político onde a ética prevaleceria sobre a corrupção. A Lava Jato, o juiz Sérgio Moro e o livro de Luiz Scarpino caminham juntos nessa direção e apontam a trilha para a construção da utopia republicana, uma tarefa árdua, longa e trabalhosa da qual a sociedade e os homens de bem nunca podem desistir.