O manual da modernidade

O manual da modernidade

Tal qual um furacão que provoca enormes estragos, o caso Neymar tem prejudicado a imagem de várias instituições, além da reputação do próprio jogador. Saíram chamuscados do insólito episódio a família do atleta, a Seleção na véspera de um campeonato importante e o futebol brasileiro do qual Neymar é o principal representante. Além desses, a grande confusão que iniciou na esfera privada, entre quatro paredes, ganhou proporções públicas e pode custar uma carreira de 31 anos do repórter esportivo Mauro Naves da Rede Globo. Um dos repórteres mais antigos da emissora, admitido em 1988, Mauro Naves gozava de prestígio entre os colegas que o chamavam de “presidente”. 

A acusação que pode custar o emprego do repórter é que Mauro Naves atuou para abafar o escândalo que envolveu Neymar, pois é de conhecimento público que o repórter era próximo de ambas as partes. Além de ser amigo de Neymar pai e de Neymar filho, também conhecia o advogado de Najila Trindade Mendes, José Edgard da Cunha Bueno Filho, sócio de uma rede de restaurantes, que, entre outras iguarias com nomes sugestivos, tem no cardápio uma isca de peixe “Mauro Naves” e um Petit Gateau chamado “Neymar”.

Quando o conflito entre as partes estava para eclodir, Mauro Naves teria entrado em campo, não só para repassar o telefone do pai de Neymar, mas para abafar o caso, sem comunicar o que estava acontecendo à direção da emissora. Independentemente da lealdade com o empregador que paga o seu salário, o primeiro compromisso dos jornalistas é o de informar a opinião pública, sem que esse trabalho possa sofrer a interferência de amizades ou de interesses pessoais. Pelo menos em tese, assim deveria ocorrer. 

No meio do noticiário envolvendo a polêmica sexual que tomou proporções mundiais,  o apresentador Willian Bonner leu no Jornal Nacional a nota que pode selar o destino do repórter na emissora. “Mauro Naves é um profissional excelente, com grandes contribuições ao jornalismo esportivo da Globo, mas há evidências de que as atitudes dele neste caso contrariam a expectativa da empresa sobre a conduta de seus jornalistas. Em comum acordo, o repórter Mauro Naves deixará a cobertura de esportes da Globo até que os fatos sejam devidamente esclarecidos”.

Por ser a maior emissora do país e ser muito visada, a Globo possui um manual de conduta que orienta a atuação dos seus milhares de profissionais nas diversas plataformas. Nenhum funcionário da emissora pode alegar o desconhecimento das regras. Um dos artigos do manual que trata da isenção deixa claro que os profissionais devem evitar situações que possam provocar dúvidas sobre o seu compromisso com a notícia. “É possível também que haja relação de amizade entre jornalistas e personalidades públicas ou personagens que estejam em destaque no noticiário ou que venham a estar. Em casos dessa natureza ou assemelhados, os jornalistas nessa situação devem comunicar o fato a seus superiores, que deverão encontrar meios de superar o conflito”.

No entendimento da Globo, Mauro Naves errou em não comunicar a emissora que tinha conhecimento prévio da acusação de estupro que viria a se tornar pública e que estava envolvido na negociação entre as partes. Em sua defesa, Mauro Naves explicou que se limitou a repassar os contatos do pai de Neymar ao advogado, a quem já conhecia, porque esperava conseguir a história com exclusividade e que, quando o assunto se tornou público, avaliou que sua participação não teria relevância.

Nos corredores da emissora, em meio a uma crise publicitária que reforça a tendência de corte de salários altos, as opiniões se dividem entre a solidariedade dos colegas e a avaliação da direção da empresa que se sentiu traída por um dos seus profissionais mais antigos e prestigiados. Independentemente do futuro do profissional na emissora, o caso de Mauro Naves traz à tona uma preocupação que deve ser cada vez mais presente na vida de personalidades públicas, empresas e de pessoas comuns.

Há que se ter uma atenção redobrada com a imagem envolvendo questões éticas, conflitos de interesse, exposição nas redes sociais e manifestações públicas. O mundo on-line se fundiu com a vida real, a vida particular está atrelada à profissional e hoje as organizações possuem uma expectativa em relação aos seus colaboradores dentro e fora do trabalho. O abalo da reputação privada pode manchar a imagem profissional, principalmente se o envolvido exerce uma atividade pública, caso do dos jornalistas, médicos, professores e outros profissionais. Como ensina o tenebroso caso Neymar, manchas no currículo são difíceis de apagar e podem marcar para sempre. 

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