
O nocaute escolar
A logica da passagem do tempo sugeriria uma evolução natural da sensatez e da racionalidade, mas não é isso o que se observa quando se olha para a geopolítica mundial ou mesmo para a aldeia em que se habita. Hoje, a maior ameaça à paz mundial vem das guerras separatistas, que camuflam os conflitos e os ódios raciais, que agora colocam como inimigos mortais a Rússia e as suas antigas repúblicas. Na charmosa Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, a trabalhadora colônia italiana, que enfrentou com destemor as agruras da colonização do começo do século passado, está envergonhada. Justamente o maior orgulho da cidade, o Clube Esportivo foi rebaixado no Campeonato Gaúcho por conta de insidiosas manifestações racistas ocorridas dentro do estádio que culminaram com a colocação de bananas no carro do juiz que apitou uma partida na Serra. Na contramão de qualquer avaliação lógica, o racismo recrudesce até mesmo em manifestações dentro do Campus da USP de Ribeirão Preto. Recentemente, um estudante registrou boletim de ocorrência depois de ter sido chamado de macaco.
A violência desta nova era se apresenta multifacetada e vai se esgueirando pelos descaminhos da deseducação. O processo de intolerância, desrespeito que, invariavelmente, chega às raias da selvageria, já corrói os princípios mais elementares da educação, principalmente das escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio. Trata-se de uma nova forma de violência, antes oculta e abominada, que nesta subversão do convívio social passa a ser pública e notória com certa dose de aceitação coletiva. Esse nocaute da civilidade já pode ser facilmente visto na porta das escolas, mais precisamente no horário de saída. Um dos últimos atos desabonadores aconteceu há duas semanas, em uma escola da zona oeste de Ribeirão Preto, palco de violenta briga entre adolescentes, devidamente repercutida on-line nas redes sociais. Esta forma de violência era muito comum entre meninos, mas, nos últimos tempos, também se tornou rotineira entre meninas. Os motivos mais frequentes são vaidades infantis, provocadas por ciúmes ou antipatias gratuitas. Nessa onda de insanidades, uma menina apanhou por que sua beleza incomoda as demais.
Duas adolescentes marcarem uma briga para a saída de uma escola, por si só, já é um fato bastante grave. Frequentemente, os confrontos de rua terminam em mortes e em tragédias. O agravante é que esses conflitos contam com o endosso de muitos estudantes que se reúnem na plateia para apreciar a selvageria com gritos histéricos e de incentivo à pancadaria. Os “quebras”, como são chamados na linguagem estudantil, são acompanhados por multidões de alunos exaltados que ainda se dão ao requinte de gravar os conflitos com o celular para postar no facebook. Às vezes, numa plateia de 100 espectadores coléricos, ninguém toma a iniciativa de apartar a briga.
Último reduto de uma educação fragilizada, a escola está mal aparelhada e, sem a devida valorização, não tem como reverter sozinha esse quadro. Além do conteúdo, a escola está sendo chamada a assumir também a educação básica que outrora pertenceu à família. Antes do português, da matemática e das ciências, é preciso ensinar a civilidade, o respeito e a conviver em grupo. Tarefa árdua, mas esses são pré-requisitos indispensáveis para o aprendizado comum. A escola precisa equipar a mente do aluno com uma maneira segura e reflexiva de pensar e de agir. O aluno precisaria receber uma formação que o ajudasse a rechaçar a violência que encontra quando volta para casa, mas a escola não está preparada para tanto. As baixas notas nos exames nacionais de avaliação e a rotina de atos cada vez mais violentos mostram que o ensino está sendo reprovado nestas duas missões. Em parte esse desempenho insuficiente, explica a onda de selvagerias, manifestações racistas e as xenofobias que são cada vez mais frequentes em Ribeirão Preto e em todo o país.