
O perigoso "mais do mesmo"
Faltando apenas três semanas para o dia da votação, a sucessão presidencial vai monopolizando a atenção do eleitorado, instalando um processo de percepções contraditórias, bem próprio da democracia. Enquanto alguns defendem a sua escolha com fúria e raiva, outros ainda nem pararam para pensar. A escolha de um candidato tem a ver com a experiência de vida, passa pela situação econômica e pelo conhecimento político ou a falta dele. Também influem o grau de informação, o senso crítico e a famosa empatia que estabelece relações de amor e ódio entre o eleitor e o político. O voto ainda tem outras subdivisões importantes que envolvem a racionalidade — a busca por argumentos para a escolha —, a questão instintiva ou emocional e os determinantes interesses pessoais. No passado recente, pesava muito a questão ideológica, hoje diluída na sopa de letras que virou a política partidária. Tem ainda quem trata o assunto como uma mera obrigatoriedade a ser cumprida perante a justiça eleitoral, o famoso “tanto faz, como tanto fez, para ver o circo pegar fogo”. Essa postura explica as estrondosas votações do Tiririca.
A mídia, os candidatos e uma parte dos eleitores repetem que esta, a oitava eleição presidencial, se apresenta como a mais importante, desde que o processo democrático para a escolha do presidente recomeçou em 1989. De fato, a eleição atual será a mais importante, pois o futuro se define no presente e o passado deveria servir de aprendizado. Logo que a reeleição foi instituída, em 1997, muita gente entendia que reconduzir um presidente possibilitaria que um governo bem avaliado tivesse mais quatro anos de prazo para concluir realizações. O tempo mostrou que a reeleição serve mais aos interesses de grupos que desejam perpetuar projetos de poder e dominar o Estado em benefício próprio. As sete votações anteriores também revelaram que até mesmo a maioria não está imune aos erros, de votar em corruptos, endossar aventureiros ou campeões de impopularidade.
A situação atual reflete esta fragilidade política expressa no número de partidos (35) e na quantidade de candidatos (13), quase a metade sem nenhuma expressão ou representatividade. Vem daí a dispersão eleitoral e as controvérsias do momento atual. Quem tiver um quarto dos votos está garantido no segundo turno. A menos de um mês para a eleição, não há consenso ou favoritismo. Uma parcela significativa do eleitorado não tem candidato, mas está disposto a votar contra alguns. Assim como ninguém está garantido no segundo turno, também não se pode afirmar que os candidatos do pelotão de trás não possam surpreender na reta final. Nas redes sociais, aparecem militantes dispostos a pegar em armas para defender candidaturas, enquanto outros permanecem indiferentes com a certeza de que, independentemente de quem for eleito, tudo continuará como antes. Nessa toada, a escolha importantíssima de governadores, senadores e deputados não chama tanta atenção. Parece um jogo de divisões inferiores.
Entre muitas aspirações ambiciosas, a democracia propõe a solução pacífica para os conflitos políticos e para as grandes diferenças econômicas. Mesmo que de forma até utópica assevera com clareza a igualdade dos direitos e das oportunidades, mas é um processo inacabado que deve evoluir indefinidamente. No mundo inteiro, os regimes democráticos estão sendo atacados por inimigos declarados ao mesmo tempo em que sofrem um forte desgaste perante seus defensores. Sem falar da Coreia do Norte, países como a Rússia, a Turquia e a Venezuela já enveredaram por trilhas autoritárias. Nos Estados Unidos, as instituições são fortes, mas estão tendo trabalho para conter os arroubos autoritários do presidente Donald Trump que acaba de provocar uma grande guerra comercial com a China. A vizinha Argentina se tornou um exemplo bem acabado das intermináveis heranças deixadas por décadas de populismo aventureiro. Outro clichê avisa: “o que está ruim ainda pode piorar”.
Os candidatos que estimulam a violência, que agridem adversários e desrespeitam os direitos das minorias contribuem para formar um ambiente de tensão eleitoral e de virada de mesa. Para engrossar esse caldo, atacam opositores e colocam em dúvida a legitimidade do processo eleitoral, caso não sejam os vencedores. Esta, contudo, não é a pior ameaça. O golpe mais duro vem quando o eleitor avalia que haverá pouca diferença se o sistema democrático for substituído por um regime autoritário, seja de direita ou de esquerda. Este pensamento hoje está sintetizado na frase bastante corriqueira: “mais do mesmo”. Entre tantas mudanças que estão ocorrendo no mundo, a democracia partidária está sendo substituída pela comunicação massiva do século XXI propiciada pelas novas mídias. O sistema atual está sucumbindo sem conseguir reagir.